Para os gregos antigos, a arrogância era o maior de todos os pecados. Era a falha que não tinha remissão. Eles a chamavam hubris, e acreditavam que incorrer nessa falha acarretava a danação eterna. Os deuses não perdoavam o pecado de hubris, pelo simples fato de que, para eles, ele escondia o mais nefasto e proibido de todos desejos: o de se igualar aos próprios deuses. Este artigo foi escrito com vistas à ecologia. Mas pode perfeitamente ser aplicado ao fenômeno da corrupção em nosso país.
Por: Luis Pellegrini
De quanta terra precisa o homem?, é o título de um conto de Leon Tolstoi. Nele, um homem faz pacto com o diabo. Receberá toda a terra que conseguir percorrer a pé, durante um dia, do nascer ao pôr-do-sol. O homem passa o dia sem se conceder descanso. Quando o sol já se aproxima do horizonte, ele não se dá por satisfeito. Intensifica o esforço, corre. Falta-lhe fôlego, mas ele não pára. Quer ainda possuir aquele vale, aquele bosque. Quando cai morto de fadiga, o conto explica de quanta terra precisa um homem: se ele não tem consciência de limites, apenas um par de metros lhe bastam. Mais do que isso não é preciso para ser enterrado.
A trágica moral contida nesse conto sintetiza um mito-chave para a compreensão da atual mega crise ecológica que nossa civilização enfrenta: o mito do único pecado que os gregos consideravam capital, a arrogância, entendida sobretudo como falta de consciência de limites, como ambição desmedida, como desejo incontrolável de posse e de poder.
Para os gregos antigos, a arrogância era o maior de todos os pecados. Era a falha que não tinha remissão. Eles a chamavam hubris, e acreditavam que incorrer nessa falha acarretava a danação eterna. Os deuses não perdoavam o pecado de hubris, pelo simples fato de que, para eles, ele escondia o mais nefasto e proibido de todos desejos: o de se igualar aos próprios deuses.
Seguimos em frente, derrubando e queimando florestas
Não é assim, desse modo arrogante – feito de destruição e poluição do meio ambiente e de exploração insustentável dos recursos naturais – que tratamos nosso planeta-mãe, a Terra? Convencidos de que somos o centro do mundo e de que todas as coisas foram criadas para satisfazer nossos desejos e necessidades, inventamos uma cultura inteiramente destituída de bom senso: a cultura da produtividade e do consumismo insustentáveis. E, como o homem do conto de Tolstoi, não conseguimos mais parar. Seguimos em frente, derrubando e queimando florestas, matando lagos e rios, poluindo os mares e a atmosfera, extinguindo a cada dia várias espécies de plantas e de animais. Sem falar nas mazelas que produzimos para nós mesmos, em termos de perturbações da saúde física, psíquica e mental, ao nos impormos um ritmo e uma carga insustentáveis de trabalho, de produção e de consumismo.
Embriagados pelo desejo de posse e de poder, cada vez mais distantes das sabedorias antigas das quais somos herdeiros, vivemos hoje no esquecimento de que a arrogância, por contrariar a ordem natural das coisas, constitui um fator maior de desequilíbrio. Sem se lembrar de que, por uma lei natural, toda ação que leva ao desequilíbrio gera uma força igual e contrária que procura restabelecer o equilíbrio. Essa força, que os gregos chamavam Nêmesis, era simbolizada por uma deusa implacável, avessa a qualquer compromisso, a qualquer oferenda, a qualquer intercessão apaziguadora. Para os gregos, o aquecimento global nada mais seria do que uma das tantas emanações de Nêmesis: a conseqüência nefasta de uma ação errônea.
Esse tipo de raciocínio, por sinal, há muito deixou de ser formulado no âmbito estrito da filosofia e da religião, para invadir o território mais pragmático da ciência. Cita-se como exemplo a Hipótese Gaia, do cientista inglês James Lovelock. Para ele, a Terra não é uma simples bola mineral a rodopiar pelo espaço a fora. Longe disso, Lovelock e seus seguidores entendem nosso planeta como um ser vivo, pulsante, dotado não apenas de um corpo físico, mas também de uma psique e de uma inteligência. Um macro-ser, em tudo análogo a seu filho, o ser humano.
Até quando a Terra suportará sem reagir todos os arranhões que estamos produzindo em sua superfície? perguntava Lovelock há cerca de três décadas, quando lançou sua teoria. Não precisou esperar muito pela resposta. Ela está aí: O planeta reage às agressões de múltiplas formas e, no momento, a mais ameaçadora delas chama-se aquecimento global.
Recado da Unesco
Organizações como a Unesco não param de elaborar mensagens alertando contra as contínuas agressões ao mundo natural. A que segue abaixo é um bom exemplo da posição dos estudiosos da Unesco a respeito:
“A Unesco, braço para a cultura e a ciência da Organização das Nações Unidas, parte da convicção de que o aquecimento global é uma realidade incontestável e muito ameaçadora. Àqueles que dizem que nós não sabemos se as mudanças climáticas são realmente causadas pela atividade humana, que nós ainda não conhecemos de modo suficiente o sistema climático para compreender com certeza aquilo que o aumento de CO2 ou da temperatura média mundial podem significar, que precisamos de mais tempo para nos organizar, a Unesco recomenda que se aja a partir daquilo que já sabemos; a temperatura aumenta e provoca repercussões negativas sobre todos os aspectos do sistema de sustentação da vida em nosso planeta, pouco importando por qual razão ela aumenta. Se somos realmente responsáveis pelo aquecimento global, estaremos lutando pelo nosso próprio futuro e o de nossos filhos; se as causas do aquecimento forem outras, estaremos também em vantagem pois teremos levado a cabo mudanças que conduzirão a uma sociedade mais durável do ponto de vista ambiental, econômico e social. Nossos tataranetos nos serão gratos em qualquer um dos dois casos. Mas, se não fizermos nada e de modo urgente, permanecendo de braços cruzados, corremos o risco de estar colaborando para a nossa própria extinção.”
MIKHAIL GORBACHEV: “TEMOS DE AGIR PARA ASSEGURARMOS UM FUTURO A NOSSOS NETOS”
Por: Mikhail Gorbachev (ex-presidente da União Soviética e presidente fundador da ONG conservacionista e ambiental Green Cross International
O desafio ambiental é um dos grandes temas com os quais a humanidade hoje se defronta. Esse desafio diz respeito não apenas ao meio ambiente, mas também à possibilidade de que ocorram graves conflitos inter-étnicos e internacionais, e está conectado às numerosas migrações de populações que implicam em graves efeitos desestabilizadores na política e na economia. Tudo isso repercute na crescente pobreza e desigualdade social, na crise da água e na escassez de alimento.
Temos de agir para salvar nosso planeta. Este deve ser um desafio comum a todos os governos, às comunidades econômicas e científicas e à sociedade civil. A responsabilidade principal recai sobre os Estados e as suas instituições; só o Estado pode impor o respeito às normas e aos padrões acordados, sem os quais as tentativas de se enfrentar as mudanças climáticas são inúteis. Só o Estado pode mobilizar recursos e fundos para o desenvolvimento de tecnologias inovativas e dar um suporte adequado àqueles que estão em perigo por causa das mudanças climáticas. Com frequência, no entanto, os Estados agem de modo oposto: gastam centenas de bilhões em armamentos, subvencionam indústrias que utilizam combustíveis fósseis em vez de privilegiar o setor energético e economizam em programas sociais em lugar de investir no capital humano.
Em dezembro, os representantes dos países se reúnem em Copenhague para anunciar uma nova e importante era de cooperação entre os Estados e para enfrentar os problemas causados pelo aquecimento global. Depende deles se o encontro constituirá um início forte e persuasivo, ou se será uma ação débil e decepcionante.
A posição dos Estados Unidos desempenha um papel determinante; sem uma contribuição significativa por parte dessa nação, não será possível obter-se nenhum resultado na redução das emissões ou no apoio aos países em desenvolvimento.
No recente vértice da ONU sobre o clima os discursos foram muito positivos: falou-se de “como” e não de “se”. É possível chegar-se a um acordo efetivo em Copenhague, ou logo após a Cop-15, mas para isso é necessário que os países industrializados e os que se encontram em desenvolvimento cheguem a um acordo.
A sociedade civil também desempenha um papel importante na modificação do modo de pensar das pessoas e no exercício de uma pressão política. Nossa , a Green Cross International, acredita que as organizações governativas devem agir tanto em conjunto quanto individualmente. Torna-se importante aumentar os canais de comunicação e criar novas comunidades através da net. Todos os esforços devem ser feitos para apoiar a recente iniciativa promovida por várias organizações, entre as quais a Green Cross International, o Clube de Roma e o Clube de Madri, com a finalidade de se criar e desenvolver um inventário para “além de Copenhague”. Esperamos que essa iniciativa impulsione as negociações e possa contribuir para que se chegue rapidamente a um acordo. Procuramos também sensibilizar a opinião pública para tais problemas, enviando mensagens de alerta facilmente reconhecíveis por todos através do computador ou do telefone celular.
Não podemos permanecer inermes. Temos de agir para assegurar um futuro a nossos netos e bisnetos.