Por Luis Pellegrini
A ideia de que a Terceira Guerra Mundial já está em andamento não é uma suposição de mentes seduzidas por algum fantasma do apocalipse. Ela está acontecendo aqui e agora, em todas as nações e continentes. Com a diferença de que, em vez de um conflito armado em larga escala entre grandes potências, como foram as duas guerras mundiais, essa guerra está sendo travada no campo das ideias, tecnologia, economia e influência geopolítica.
Trata-se de um conflito que irrompe entre os líderes neo-autoritários e a democracia liberal. Já é mundial, encerra uma era, subverte a ordem, inverte a história e apaga a tradição, desestabiliza equilíbrios e alianças. E determinará o desfecho dos dois confrontos armados que no momento se arrastam em campos de batalha reais – Ucrânia e Gaza – e que ninguém sabe como vão terminar.
Os ataques partem sobretudo dos neo-autoritários, quase todos de claro viés fascista e assentados na liderança de governos caracterizados por tendências autoritárias e pela erosão de normas democráticas. Eles acusam a Democracia Liberal de ser improdutiva, a rejeitam como restritiva por causa da sua consciência dos limites que, por meio de controles e regras, respeita os mandatos populares porém obriga os governantes eleitos a exercer o poder segundo as regras constitucionais que impedem que ele decaia para o abismo da autocracia.
A lista dos neo-autoritários da atualidade é bastante extensa, e entre eles estão: ?Vladimir Putin (Rússia, Recep Tayyip Erdogan (Turquia), Narendra Modi (Índia), ?Wane Viktor Orbán (Hungria), Alexander Lukashenko (Bielorrússia), Nayib Bukele (El Salvador), Javier Milei (Argentina), Éric Zemmour (França), Xi Jinping (China), Björn Höcke (Alemanha), Giorgia Meloni (Itália), Geert Wilders (Holanda), André Ventura (Portugal), Benjamin Netanyahu (Israel), Donald Trump (EUA), José Antonio Kast (Chile), Jair Messias Bolsonaro ( Brasil), Marine Le Pen (França). Por sinal, essa ex-líder da Frente Nacional, há poucos dias, precisamente em 31 de março de 2025, foi condenada a quatro anos de prisão e proibida de concorrer a cargos políticos por cinco anos devido a acusações de desvio de verbas, o que a impede de participar das eleições presidenciais francesas de 2027,
Todos eles têm vocação autoritária, e só não a manifestam com ênfase ainda maior porque em seus países ainda atuam com maior ou menor vigor forças democráticas controladoras.
Para os neo-autoritários, atacar e denunciar a prática democrática significa, de fato, rejeitar o método, a norma e o critério que governaram nossas vidas até agora, fornecendo um código para a convivência. De repente, estamos sem regras do jogo. O novo modelo é inventado ao longo do caminho, a conveniência o improvisa, a força o realiza, o poder o impõe. Donald Trump, com suas políticas desatinadas – a última das quais, a das taxações das importações pode levar o mundo a uma nova mega crise econômico-financeira -, é um bom exemplo disso.
O importante, para a política e para a história, é a atual ruptura com o passado desejada por Trump e assemelhados: para o soberano neo-autoritário, não basta o apoio eleitoral que lhe garantiu o governo, segundo os costumes do velho mundo; ele quer o comando universal e, para obtê-lo, escolhe sair da ordem estabelecida, renegando-a, com uma ruptura sistêmica, de costumes e, naturalmente, de linguagem e imagem, ou seja, cultural.
Como diz o jornalista italiano Ezio Mauro em editorial do jornal La Reppublica:
“O autocrata nasce dentro da regra democrática, por meio de eleições livres, e imediatamente dela se separa, pois, a partir do momento em que assume o poder, ele é a regra, e tudo deve se subordinar a uma hierarquia soberana que não conhece limites nem aceita restrições.
Assim, toma forma uma soberania desconstitucionalizada, que já não pode se conter dentro dos limites do Estado de direito, mas extrapola a norma, ignorando a separação de poderes e o equilíbrio institucional. O invólucro do sistema parece intacto – com a competição entre partidos, a liberdade da disputa eleitoral, a transferência de poder do cidadão para o eleito –, mas, por dentro, a substância democrática se corrompe, degrada e inevitavelmente decai”.
É isso que estamos vivendo, nestes dias conturbados, com os Estados Unidos à frente desse conflito contra a democracia liberal, reunindo e legitimando todas as tendências neo-autoritárias que emergem em diferentes países e organizando-as em um plano revolucionário e reacionário, que apaga qualquer responsabilidade anterior, a ponto de inverter amigos e inimigos. Ou não foi exatamente isso que aconteceu agora, com Trump se aliando a Putin – inimigo histórico – e voltando as costas para a Europa, aliada tradicional? Os fins justificam os meios – parece ser o moto maior que norteia as ações dos neo-autoritários.