A Antártica vive nestes dias o apogeu do seu breve verão. Quando ele chega, surgem no continente gelado imensos rios e lagos que correm para o mar e influenciam toda a climatologia da região. O fenômeno é devido ao derretimento do gelo e mostra-se a cada ano mais intenso, devido ao aquecimento global que acarreta temperaturas médias cada vez mais altas.
Por: Luis Pellegrini
Nunca poderei esquecer a minha primeira (e infelizmente única) visita à Antártica, no início do verão de 2008. Graças ao aumento da temperatura, a camada de gelo que cobria o mar começava a derreter, fragmentando-se em milhões de pedaços brancos que flutuavam e se moviam ao sabor das correntes. Nosso navio, o enorme NordNorge, norueguês, se movia lentamente por entre os pequenos icebergs em direção à base brasileira Comandante Ferraz, na Baía do Almirantado, Península Antártica. Aquele mesmo fenômeno do derretimento estivo do gelo na superfície do mar acontecia em terra, fazendo com que toda a área ao redor da base estivesse coalhada de poças, pequenas lagoas e cursos d’água que saiam delas e corriam em direção ao mar. Neste momento, novo apogeu de verão austral, em todo o continente antártico, sobretudo nas zonas litorâneas, mais uma vez o mesmo fenômeno é o responsável pela criação de muitos rios, alguns dos quais podem atingir grandes proporções. É o degelo de verão, que a cada ano chega com mais força.
O fenômeno dos grandes rios sazonais na Antártica já era bem conhecido, mas os cientistas ainda não tinham feito dele um quadro geral. Em 1908, a legendária equipe Nimrod do explorador Ernest Shackleton estava na rota em direção ao Polo Sul quando os homens se espantaram ao ouvir sons totalmente inesperados: o barulho de água correndo através da vastidão gelada, em direção ao mar. Cento e nove anos depois disso, cientistas confirmam que aquele som, descrito por um outro explorador como “muito impressionante por quebrar o silêncio sepulcral que caracteriza a Antártica” não era uma simples ilusão produzida pela imaginação dos homens de Shackleton. Milhares de cursos d’água de maior ou menor porte realmente correm por todo o continente gelado durante os meses de verão.
Uma nova análise conduzida por cientistas do Lamont-Doherty Earth Observatory, da Columbia University, revela pela primeira vez a vasta rede de bacias de drenagem de água doce espalhada por toda a Antártica, e elas incluem torrentes, rios, canais, lagoas e inclusive cascatas. Esse estudo é muito importante para que possamos entender não apenas o futuro do continente mais austral do planeta, mas também o comportamento das grandes plataformas de gelo que o circundam, e o próprio futuro dos oceanos como um todo. A grande pergunta é: Que acontecerá no mundo se o gelo derretido da Antártica aumentar o nível dos nossos oceanos?
Antártica: Cientistas da Columbia University, EUA, acabam de completar uma primeira análise global dos dados meteorológicos, fotográficos e satelitares que possibilitaram a detecção e o mapeamento dos rios que se formam durante o breve verão antártico. Esses rios sazonais levam ao mar enormes quantidades de gelo derretido. No mapa acima, cada “X” vermelho representa uma zona isolada de intensa drenagem.
Logo abaixo, um vídeo curto dá uma ideia das dimensões do fenômeno. A Antártica não é uma região permanentemente congelada, como se pensava. Cientistas da Columbia University compilaram recentemente um mapa detalhado da movimentação líquida através da Antártica, sobretudo nas suas zonas costeiras. Encontraram água líquida abundante em áreas nas quais, até agora, julgava-se impossível.
Vídeo: © Lamont-Doherty Earth Observatory, Columbia University
Geólogos especializados já tinham documentado o surgimento de cursos d’água ligados à fusão sazonal dos gelos antárticos desde a metade do século 20. As primeiras imagens foram obtidas a partir de aviões militares em 1947. Desde 1973, as fotografias feitas por satélites enriqueceram cada vez mais o quadro. Apenas nos últimos anos, no entanto, com a evolução dos instrumentos de fotografia e vídeo, as imagens alcançaram uma resolução que possibilita “seguir” o inteiro percurso dos rios.
Foram descobertos, desde então, quase 700 sistemas diferentes de drenagem sazonal, alguns dos quais percorrem mais de 100 quilômetros. O mesmo fenômeno forma também lagos com vários quilômetros de extensão. Em um caso específico, foi observado um rio há apenas 420 quilômetros do Polo Sul, e situado a 1.400 metros acima do nível no mar, local onde, segundo se acreditava, a presença de água líquida era impossível.
Jonathan Kingslake, glaciólogo do Lamont-Doherty Earth Observatory, da Columbia University, della Columbia University, diz: “Pensávamos que a proliferação dos rios sazonais na Antártica fosse possível apenas dentro de algumas décadas, devido ao aumento das temperaturas médias globais. Em vez disso, ela está acontecendo neste exato momento, diante dos nossos olhos.”
Para onde vai a água na Antártica?
A maior parte dos rios antárticos se forma nas imediações de montanhas onde os ventos varrem a neve e, desse modo, expõem à luz solar o gelo azulado que está por baixo dela. Por causa da sua cor mais escura, essa superfície descoberta absorve maior quantidade de energia solar e isso provoca a fusão. Se o fenômeno acontece em um terreno inclinado, a água escorre de modo impetuoso e isso contribui para o derretimento do gelo que se encontra mais abaixo.
A maior da água que se forma a partir da fusão do gelo durante o verão volta a se congelar no inverno, mas a questão é não se sabe quanto dessa água chega até a borda do continente e se lança ao mar.
Sobretudo, não se sabe quanta água vai parar sob a superfície de um glaciar. Este é um elemento extremamente importante, porque quando entra em contato com as rochas a água atua como um lubrificante para a geleira, que passa a se mover muito mais rapidamente.
Por enquanto, a fusão sazonal dos gelos no interior do continente antártico não parece ser um problema. Mas ocorre exatamente o contrário quando essa fusão acontece nas bordas da plataforma onde, nos últimos anos, os gelos se fundem a um ritmo nunca antes observado. O problema é particularmente grave ao longo da Península Antártica (onde está localizada a base brasileira), pois contribui para a formação de gigantescos icebergs.