Por Luis Pellegrini
O atual ressurgimento de tendências imperialistas na política externa dos EUA é visto por muitos como uma manifestação do Princípio do Mal. E é. Mas não esqueçamos que o mal e o bem travam desde sempre uma guerra que parece não ter fim. É preciso escolher de que lado se está nesse embate. O mal prospera na indiferença. O bem, na ação justa.
Perplexidade? Não, a palavra é estupor, talvez com uma ponta amarga de asco. Foram os sentimentos que afloraram quando, na última terça-feira, ouvi – e sobretudo vi – o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao lado do amigo israelense Benjamim Netanyahu, propor, sorrindo como beato de igreja, que os EUA assumam o controle da Faixa de Gaza. Para tanto, quer remover a população palestina local e transformar a área em uma “Riviera do Oriente Médio”, uma nova Côte D’Azur no extremo oriental do Mediterrâneo. Embora eu duvide que os bilionários da Riviera francesa e do resto do mundo se disponham a construir seus palacetes e luxuosas villas naquela região. Lá, periodicamente, caem chuvas de bombas altamente destruidoras.
Como novo autoproclamado Imperator Mundi, Trump sugeriu realocar os palestinos de Gaza (cerca de 2 milhões) para países vizinhos, como Egito e Jordânia, “pelo menos durante o processo de reconstrução”. Ou seja, para um provável todo o sempre. Sabemos que esses grandes êxodos, não importa se forçados ou voluntários, costumam não ter retorno. Acabam se transformando em genocídio de inteiras etnias.
Debate instalado
A proposta, classificada pelo mundo como delirante, foi imediata e amplamente condenada pela comunidade internacional, incluindo nações árabes, países europeus, a ONU e membros do próprio Partido Republicano. Críticos argumentam que a ideia viola o direito internacional e pode agravar ainda mais a situação na região. No Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou as políticas expansionistas de Trump, afirmando que ele “não foi eleito para governar o mundo” e discordando da proposta sobre a Faixa de Gaza. A proposta de Trump também gerou debates sobre o ressurgimento de tendências imperialistas na política externa dos EUA, com muitos observadores comparando suas ações às ambições coloniais de presidentes americanos do passado.
Também nos Estados Unidos – onde permanece bem viva a memória dos milhares de jovens norte-americanos mortos no Vietnã, na Coreia, no Iraque, etc -, houve um debate imediato sobre se os americanos deveriam levar Trump a sério e, já na quarta-feira, muitos em seu círculo tentaram suavizar sua declaração. No entanto, o fato permanece: Trump sugeriu – novamente – que os EUA tomassem unilateralmente um território estrangeiro sem qualquer consideração pelo que as pessoas que vivem lá pensam.
Primeiro, foi a Groenlândia que Trump disse que os EUA deveriam tomar. Depois, o Canal do Panamá, o Canadá e agora Gaza — a lista de desejos territoriais de Trump parece crescer a cada dia, e isso só nas primeiras semanas do seu governo. Muitos observadores entendem isso como um retorno explícito ao imperialismo americano.
Encarnação do mal
Sem dúvida, ter um desatinado e por muitos considerado doido no comando da maior potência econômica e militar do globo deve ser motivo de muita preocupação. De líderes como esse, capazes de comparecer em entrevista coletiva diante de dezenas de representantes da mídia internacional para afirmar – reiteradamente – que vai invadir e tomar um inteiro território e dele expulsar seus moradores e legítimos proprietários, pode-se esperar tudo e muito mais. Trump parece ser, no momento a própria encarnação do mal.
Deve ser por isso, por ter na memória as bombas de Hiroxima e Nagazaki, e também os corpos de vietnamitas civis, mulheres, velhos e crianças, queimando em chamas provocadas pelo napalm, e tantas outras atrocidades cometidas mundo a fora, que, no dia seguinte ao anúncio da intenção de se apoderar de Gaza, um velho amigo jornalista ligou para comentar e perguntou: “Luis, o mal reina sobre o mundo?” Poderia ter perguntado sobre o sexo dos anjos, seria mais fácil responder…
Mas uma pergunta dessas é um desafio, é preciso tentar responder. E a resposta é não. O mal não reina sobre o mundo. Nem o bem. O que existe desde sempre, se examinarmos a história da humanidade, é um eterno combate entre o bem e o mal. Essa Grande Guerra, onde ora vence um lado, ora vence o outro, é um dos temas mais antigos da humanidade, aparecendo em mitos, religiões, filosofia e na história real. Ao longo do tempo, essa luta se manifestou de várias formas, desde conflitos épicos até pequenas batalhas diárias pela justiça.
As mitologias e as religiões são particularmente ricas em relatos e discussões sobre essa guerra, que talvez seja a mais importante de todas as guerras. O zoroastrismo, por exemplo, foi uma das primeiras religiões a dividir o universo entre um deus do bem (Ahura Mazda) e um espírito maligno (Angra Mainyu). No cristianismo e no islamismo a luta entre Deus e Satanás representa o embate moral entre o bem e o mal. Na mitologia nórdica: Ragnarok simboliza a batalha final entre forças da ordem e do caos.
Também a filosofia e a literatura são permanentes áreas de investigação sobre esse grande embate. Platão via o bem como a verdade e o conhecimento, enquanto o mal vinha da ignorância. Em “A Divina Comédia”, de Dante, o inferno é reservado para aqueles que escolheram o mal. Obras como “O Senhor dos Anéis” e “1984” (esta última do genial George Orwell) exploram o bem contra tiranias e forças opressoras.
História Real
Como agora, em que alguns defendem Trump e outros líderes de vocação autocrata, a luta entre o bem e o mal na realidade pode não ser tão clara para alguns. Sobretudo para aqueles que ainda não estão vacinados contra o autoritarismo, o messianismo, a mitomania e outras pragas que desde sempre assolam a nossa espécie e ameaçam o predomínio do bem. Por isso é sempre bom lembrar que existem momentos em que forças opressoras do mal foram combatidas e vencidas. Por exemplo, a abolição da escravidão, uma vitória contra um sistema desumano de exploração do homem pelo homem. Na Segunda Guerra Mundial, a derrota do nazismo, um marco na luta contra a tirania. Os vários movimentos pelos Direitos Civis: Pessoas como Gandhi e Martin Luther King que desafiaram injustiças e mudaram o mundo.
Sem esquecer que a luta entre o bem e o mal persiste no mundo atual, em diversas formas: Corrupção versus transparência; opressão versus liberdade; destruição ambiental versus sustentabilidade, para citar apenas algumas.
O que a história ensina de forma clara é que o bem pode vencer, mas não sem esforço, coragem e persistência. O mal prospera na indiferença, e cabe a cada geração decidir de que lado quer estar. Por exemplo, no aqui e agora: apoiando Donald Trump em seu desejo delirante de anexar a Faixa de Gaza e expulsar de lá seus moradores; ou apoiando os palestinos, legítimos donos daquele território, em seu direito à liberdade e autodeterminação.