Como todos os países que atualmente têm governos de direita, os Estados Unidos rechaçam e tentam combater a entrada de novos imigrantes em seu território. No entanto, estudo comprova que esse país, que historicamente foi o que mais acolheu imigrantes estrangeiros europeus, pode ostentar hoje uma renda média bastante alta, menores índices de pobreza e baixos níveis de desemprego graças, em boa parte, à presença dos imigrantes.
Por: Luis Pellegrini
Um estudo recente publicado na Review of Economic Studies, revela que os Estados Unidos – um dos países que mais acolheram imigrantes, sobretudo europeus – ganhou muito com isso em termos de inovação, crescimento econômico e bem-estar dos cidadãos. O estudo foi centrado no país norte-americano, mas percebe-se facilmente que suas conclusões se aplicam à grande maioria dos países que, ao longo da sua história, foram palco de importantes fluxos migratórios. Brasil inclusive.
Cientistas da London School of Economics e da Universidade de Harvard estudaram os efeitos econômicos do acolhimento de imigrantes nos Estados Unidos de 1850 a 1920, período que os historiadores definem como Era das Migrações de Massa. Seu objetivo era lançar luz sobre as consequências da imigração nesse longo período e até os dias de hoje – e não apenas na sua fase histórica contingente, como foi feito pela maioria dos estudos realizados anteriormente.
A pesquisa – de tipo multidisciplinar – mostrou que ao longo dessa fase histórica os fluxos migratórios aumentaram progressivamente, e também que houve uma mudança da sua origem. Se em 1850 mais de 90% dos estrangeiros nos Estados Unidos era proveniente da Grã-Bretanha, da Irlanda e da Alemanha, em 1920 esse percentual tinha caído para 45%. O período analisado se sobrepõe também ao da “grande imigração italiana” (1876-1915) que testemunhou o êxodo de cerca de 14 milhões de italianos, pouco mais de um quarto da população total daquele país na época.
Benefícios são imediatos
Desde o início do ciclo das grandes migrações, e durante todo o seu transcorrer, os Estados que acolheram mais imigrantes registraram um aumento do número e da importância dos estabelecimentos industriais, uma maior produtividade agrícola e níveis mais elevados de inovações. A contribuição dos recém chegados para a economia se concretizou numa ampla disponibilidade de força de trabalho pouco qualificada, mais uma quantidade de pequena a média de trabalhadores especializados, que trouxeram conhecimento e saberes fundamentais para o desenvolvimento econômico.
Todos esses benefícios não se exauriram num breve arco de tempo. Com base no estudo, um aumento de imigrantes de 4,9% em uma região corresponde a um crescimento de 13% do salário médio pro capita atual, e um aumento de 44% da produção manufaturada pro capita entre 1860 e 1920 (e de 78% em 1930!). Corresponde também a um incremento de 37% do valor das atividades agrícolas e de 152% de crescimento do número de brevês correspondentes a inovações tecnológicas nos mais diversos setores da produção.
Valor agregado
Ao mesmo tempo, os custos sociais no período analisado não aumentaram. Os países que historicamente acolheram mais grupos de imigrantes apresentam hoje níveis similares de unidade social, solidariedade, participação cívica e criminalidade em relação aos outros países. Para os pesquisadores do estudo, que mostra diversos paralelos com a situação atual – também caracterizada pela intensidade dos fluxos migratórios -, o trabalho oferece, para os dirigentes inteligentes e com visão de longo alcance, parâmetros muito úteis para um melhor enfrentamento da questão migratória.
OS EFEITOS PERSISTENTES DA IMIGRAÇÃO
No Brasil, um dos mais importantes países do mundo em termos de presença de imigrantes de múltiplas nacionalidades, estudos do economista Leonardo Monastério apontam dados importantes sobre os efeitos dos fluxos migratórios em nosso país. Por exemplo, ele constata que donos de sobrenomes não ibéricos têm maior salário e escolaridade mais alta do que os demais brasileiros
Por: Marcos Pivetta
Fonte: http://revistapesquisa.fapesp.br/2017/07/18/efeitos-persistentes-da-imigracao/
Filho de um boliviano que foi para o Rio de Janeiro há mais de 60 anos e se tornou médico, o economista Leonardo Monastério investiga se os descendentes atuais dos imigrantes europeus e japoneses que aqui chegaram entre as últimas décadas do século 19 e as primeiras do 20 usufruem ainda hoje de vantagens econômicas e educacionais associadas à sua ancestralidade. Segundo um estudo publicado por ele em 5 de maio na revista científica PLOS ONE, os trabalhadores brasileiros formalmente contratados que têm ao menos um sobrenome japonês, italiano, alemão ou do Leste Europeu ganham significativamente mais e apresentam escolaridade ligeiramente maior do que os portadores de nomes de famílias ibéricas, originárias de Portugal ou da Espanha. A disparidade fica ainda maior se a comparação incluir os ganhos e os anos formais de estudo de trabalhadores negros, pardos e descendentes de índios, que representam cerca de 55% da população brasileira.
O salário médio e a escolaridade dos indivíduos com sobrenomes nipônicos foram os mais elevados da amostra, que determinou a ancestralidade dos trabalhadores com emprego formal no país a partir da análise de seu sobrenome. De acordo com o artigo, os trabalhadores de origem japonesa ganhavam (em 2017, ano pesquisado), em média, R$ 73 por hora, mais do que o dobro dos portadores de sobrenomes ibéricos e quase três vezes mais do que negros e pardos. Os descendentes de asiáticos frequentaram a escola, em média, por 13,6 anos, cerca de três anos a mais do que negros e pardos. Em seguida, tanto no quesito financeiro como no educacional, apareceram, sempre nessa ordem, os descendentes de italianos, de alemães e de europeus do leste (ver quadro). “Não podemos saber ainda a causa da desigualdade. Na época, os imigrantes eram mais alfabetizados do que os brasileiros e uma parte deles recebeu subsídios”, explica Monastério, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor na pós-graduação em economia da Universidade Católica de Brasília (UCB). “Mas a discriminação histórica e contemporânea ou até diferenças culturais também podem explicar o bônus salarial concedido aos não ibéricos.”
Para realizar o estudo, o economista teve acesso à edição de 2013 da Relação Anual de Informações Sociais (Rais). Trata-se de um conjunto de dados socioeconômicos que os empregadores fornecem ao Ministério do Trabalho. Naquele ano, a Rais continha informações sobre 46,8 milhões de brasileiros com idade entre 23 e 60 anos que trabalhavam ao menos 40 horas por semana. Os ganhos dos muito ricos, que não vivem de salário, e dos mais pobres, que não têm ocupações com carteira assinada, não constam do levantamento feito pelo ministério. “A Rais dá uma boa ideia de como são os salários das camadas médias da população brasileira”, explica Monastério.
Com o auxílio de métodos automáticos que empregam algoritmos para discriminar a origem dos sobrenomes, ele encontrou pouco mais de meio milhão de diferentes nomes de família na enorme base de dados. No entanto, os cinco nomes de família mais comuns (Silva, Santos, Oliveira, Souza e Pereira) eram usados como o segundo ou último sobrenome por 14 milhões de trabalhadores, quase um terço dos registrados na Rais (ver quadro sobre a frequência dos sobrenomes). Quando um indivíduo tinha mais de um sobrenome, apenas o último deles foi levado em conta nas análises sobre escolaridade e rendimentos econômicos.
A constatação de que os atuais descendentes dos imigrantes japoneses, italianos, alemães e do Leste Europeu ganham mais do que os brancos de origem ibérica e muito mais do que negros, pardos e indígenas era esperada. Ela reflete uma desigualdade socioeconômica que persiste há décadas no país. Entre o final do século 19 e o início do 20, a chegada ao Brasil de imigrantes europeus e também do Japão fez parte de uma política de Estado que visou substituir a antiga mão de obra negra e escrava, ou que tinha sido libertada havia pouco tempo, por trabalhadores brancos.
“Os imigrantes e depois seus descendentes foram os primeiros a ter acesso a empregos formais no Brasil e à educação”, comenta a socióloga Rosana Baeninger, do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), estudiosa do processo imigratório em São Paulo. “Eles também tinham habilidades que foram importantes para o desenvolvimento das cidades e difundiam a ideia de que eram dedicados ao trabalho.” Em resumo, as melhores oportunidades foram historicamente ofertadas às parcelas de origem europeia (ou nipônica) da população brasileira, enquanto os descendentes dos escravos libertos e dos povos indígenas foram relegados a um plano secundário.
Ibéricos, mas nem tanto
Determinar a ancestralidade de um indivíduo parece uma tarefa simples desde que se tenha acesso a seu sobrenome. Mas há obstáculos e limitações a serem contornados. No caso do trabalho do economista do Ipea, o primeiro deles era de ordem quantitativa. Não é factível classificar manualmente meio milhão de distintos sobrenomes apenas recorrendo a fontes históricas. Existem, no entanto, programas de computador que fazem isso de maneira automática. Dessa forma, Monastério separou os nomes de família em cinco categorias: japoneses, italianos, alemães, do Leste Europeu e ibéricos, que responderam pela maior parte do fluxo migratório de 3,2 milhões de estrangeiros que entraram no Brasil na virada do século 19 para o 20.
Nos quatro primeiros casos, a associação quase sempre é direta e imediata. Uma pessoa com sobrenome nipônico é descendente de japoneses que provavelmente chegaram ao Brasil há cerca de 100 anos, principal momento histórico da entrada de imigrantes no país. A estratégia funciona na maioria dos casos, embora não seja perfeita. Um sobrenome teutônico pode, a rigor, indicar um descendente de alemães, mas também de austríacos ou suíços de fala germânica. Sobrenomes de povos cuja imigração para o Brasil foi menos expressiva do que a dos europeus (caso dos árabes) acabam sendo classificados de forma imperfeita.
O maior desafio do estudo foi associar os sobrenomes ibéricos ao fluxo migratório de portugueses ou espanhóis para o Brasil. Os algoritmos usados por Monastério não diferenciam os sobrenomes de origem portuguesa dos oriundos da Espanha por terem grafia muito parecida. A saída foi adotar a classificação guarda-chuva de sobrenome ibérico. Mas os problemas não param por aí. Além de abarcar indivíduos brancos que realmente descendem de imigrantes portugueses e espanhóis, essa classificação também inclui negros, pardos e indígenas cujas famílias foram provavelmente obrigadas a adotar um sobrenome ibérico no passado. Portanto, no Brasil, ser dono de um sobrenome tipicamente luso, como Silva ou Oliveira, não implica necessariamente ser filho, neto ou bisneto de portugueses. Para separar os donos de sobrenomes ibéricos que são brancos, e descendem de europeus, dos que são negros e pardos, cujos ancestrais africanos foram trazidos à força e escravizados no Brasil, o economista teve de adicionar o critério da cor/raça na Rais. “Nesses casos, para determinar a ancestralidade, tivemos de criar um índice híbrido, que levava em conta o sobrenome e também a cor autodeclarada”, esclarece o economista.
O peso dos sobrenomes
Os 46,8 milhões de trabalhadores registrados na Rais carregam 531.009 sobrenomes distintos. Nesse contingente, que equivale a quase um quarto da população brasileira, a imensa maioria tem nomes de família oriundos da Península Ibérica: o último ou o segundo sobrenome de 88,1% dos registrados é de origem portuguesa ou espanhola. Há, por exemplo, 6 milhões de Silva, 3,5 milhões de Santos e 1,9 milhão de Oliveira. A seguir, aparecem os sobrenomes italianos (7,2% dos empregados), alemães (3,2%), europeus do leste (0,8%) e japoneses (0,7%). Como o Brasil não recebe grandes fluxos migratórios há mais de um século, a presença atual de sobrenomes de outros países é modesta. Esse não é um padrão universal. Na Espanha, na lista dos 500 sobrenomes mais comuns atualmente, aparecem um sobrenome indiano (Singh) e um chinês (Chen).
A maior concentração de sobrenomes não ibéricos ocorre na faixa territorial que começa no centro-norte do Rio Grande do Sul, passa por Santa Catarina e termina no centro-sul do Paraná, segundo o estudo de Leonardo Monastério. A presença de um grande contingente de trabalhadores com nomes de família de origem italiana, alemã, do Leste Europeu e japonesa em uma região ou país parece produzir efeitos positivos para todos os empregados desse lugar, segundo resultados preliminares de um trabalho que está sendo feito por Monastério e seu colega Philipp Ehrl, economista da UCB. “Um aumento de 10% no percentual de trabalhadores brasileiros com ancestralidade não ibérica, estimada pelo sobrenome, causa um incremento de 2,2% nos salários de todos”, estima Monastério. Esse efeito seria mais perceptível em cidades que são etnicamente mais diversas e funcionam como polo de atração de trabalhadores com novas habilidades. Os economistas estão agora trabalhando com dados da Rais sobre o Rio Grande do Sul para testar essa tese.
Artigo científico
MONASTERIO, L. Surnames and ancestry in Brazil. PLOS One. 8 maio 2017