Liberar-se do inútil. Privilegiar a qualidade e a durabilidade dos produtos. Escolher bem as marcas, procurar as liquidações. São apenas algumas das regras práticas que os defensores da “vida simples” aconselham aos consumidores inteligentes.
Por Luis Pellegrini
Existe um jeito de aumentar o salário sem recorrer ao patrão: aprenda a gastar melhor o seu dinheiro. Para começar, esteja mais atento à relação preço/qualidade, tornando-se mais crítico e exigente. Sobretudo, aprenda a distinguir necessidade de capricho, essencial de supérfluo. Use a cabeça: antes de comprar, estude cientificamente o que comprar, como e quando comprar, e reflita bem se vale à pena comprar. Especialistas afirmam que por si sós essas providências são suficientes para fazer economizar um terço do salário.
Conselhos desse tipo constituem os pressupostos básicos de uma nova doutrina que ganha um número cada vez maior de adeptos. Ela tem vários nomes: downshifting (“trazer para baixo”, “baixar a bola”), simple living (“vida simples”), voluntary simplicity (“simplicidade voluntária”), todos sinônimos de um consumismo mais maduro.
Trata-se, em suma, de uma doutrina que nos aconselha a simplificar ao máximo nosso estilo de vida e a trancar com cadeado a carteira quando se trata de comprar. Ela deriva diretamente dos protestos hippies de contestação ao sistema capitalista da produtividade e do consumismo, e também das idéias mais recentes da ecologia e da sustentabilidade.
Iniciada no início dos anos 90, a onda do downshifting já dura mais de vinte anos e parece ser de longo alcance. Ela começou como reação à orgia yuppie dos anos 80 – época em que a obsessão pelos bens fúteis de consumo, pelas roupas de grife, e pelos fáceis ganhos financeiros marcou uma inteira geração. Tantos foram os excessos cometidos no período yuppie que parece natural o surgimento, em seguida, de um certo desejo de medida e de seletividade. Mas, deve-se considerar que agora, para essa decisão de viver e consumir de modo menos obsessivo, também contribuem a crise econômica mundial e o incremento da incerteza em relação ao futuro. Portanto, controlar melhor o consumo não é, para muitos, apenas uma decisão pessoal, mas sim um fato ditado pela pura necessidade. De qualquer forma, por uma razão ou por outra a proposta do downshifting encontra eco num número cada vez maior de pessoas.
Como o próprio nome parece indicar, as bases filosóficas da “vida simples” são exatamente isso: simples. Quem opta por ela prefere não sacrificar as relações com a família, com os amigos e a comunidade, em troca do avanço na carreira profissional; prefere não adiar ou desfigurar esperanças e ideais para fazer o seu “pé de meia”; prefere não se deixar contaminar pela luxúria do consumismo descontrolado.
Sinais claros dessa nova postura são detectados em toda parte, principalmente nos países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, o Merck Family Fund, importante instituição dedicada ao estudo de fenômenos sociais, publicou os resultados de uma pesquisa de opinião pública que examinava a nova visão americana a respeito de consumismo, materialismo e meio-ambiente. Nada menos que 28% dos entrevistados afirmaram ter feito nos últimos anos modificações em suas vidas que resultaram em menor entrada de dinheiro (nesse número não entravam os que simplesmente se aposentaram). As modificações mais comuns eram a redução das horas de trabalho e a mudança para um emprego menos rentável, mas que permitia ao trabalhador passar mais horas em casa.
De acordo com a mesma pesquisa, 68% dos que “baixaram o nível” assim o fizeram porque optaram por uma vida mais equilibrada; 66% porque desejavam mais tempo livre; 63% porque queriam uma vida menos estressante; 53% para passar mais tempo com os filhos. No item mais surpreendente, 87% se declararam felizes com a mudança, e apenas 35% se sentiam de alguma forma atingidos pela redução da entrada em dinheiro.
“Há um número cada vez maior de pessoas estressadas e enervadas pelas exigências e pelo ritmo frenético da vida moderna, e frustradas pela sua incapacidade de encontrar alternativas viáveis que possibilitem uma saída dessa vida”, diz David Shi, presidente da Furman University, e autor de vários livros sobre vida simples. “Casas cuja manutenção é caríssima, mães obrigadas a trabalhar fora, jornadas de trabalho de doze horas, são coisas que estão levando as pessoas a superar seus limites máximos de resistência e a entrar em pane”, conclui David Shi.
Para esses cidadãos exaustos, embarcar na vida simples parece representar ao mesmo tempo uma forma de escapar à pressão esmagadora do sistema e uma lei histórica de compensação. Por um lado, o imperativo que sempre caracterizou a cultura ocidental da produtividade e do consumismo foi o de trabalhar cada vez mais e por mais tempo, de desejar mais e reclamar por mais coisas, de crescer sem parar enquanto nossos apetites e o meio ambiente onde vivemos o permitissem. Mas, ao mesmo tempo, outro ideal mítico continuou sempre a competir pela atenção das pessoas. Desse ideal fazem parte idéias românticas como aquela sintetizada na velha e aparentemente simplória frase “meu amor e uma cabana”, nas idéias do pensador Thoreau – que pregava o retorno à simplicidade de uma vida junto à natureza -, ou no desejo por tantos acalentado de desenvolver uma carreira de serviço útil ao mundo e à humanidade.
Duane Elgin, ex-professor do Stanford Research Institute, na Califórnia, e autor de Voluntary Simplicity, um best-seller do assunto, revela bom senso quando define esse movimento: “Podemos descrever simplicidade voluntária como uma maneira de viver que é muito mais simples por fora, porém muito mais rica interiormente. O objetivo não se baseia de forma dogmática no viver com menos, mas sim na intenção de viver de forma mais equilibrada, de modo que a vida possa ter maior propósito, ser mais plena e mais satisfatória”.
Em poucas palavras: simplificar a vida. Este é o moto dos que “baixaram o facho”. Existem infinitos modos de fazê-lo. Elaine Saint James, autora de outro best-seller, Simplify your Life (“Simplifique sua vida”), afirma ter explorado quase todos. Ela vendeu sua grande casa em Santa Bárbara, Califórnia, para viver num pequeno apartamento; cortou pela raiz, de repente, sua carreira de agente imobiliária para tornar-se escritora; resgatou, segundo afirma, 30 horas semanais que antes consumia na agitação da vida moderna. Seu primeiro livro foi comprado por 650 mil leitores, apenas uma parte do imenso público que, segundo pesquisas recentes, empenha-se atualmente em simplificar a própria vida e reduzir as despesas.
Entre outros conselhos práticos, Elaine Saint James ensina o leitor a “abrir o armário e jogar fora tudo aquilo que não foi usado durante o último ano; mudar para uma casa menor; não comprar a casa e sim alugá-la; fazer faxina geral apenas uma vez a cada quinze dias; para não sujar o ambiente, deixar os sapatos à porta e andar descalço dentro de casa; vender barcos e outros pertences de pouco uso e cara manutenção; em vez de ir ao cinema, observar o pôr-do-sol; conservar apenas um cartão de crédito e devolver todos os outros; quando sair às compras, deixar em casa inclusive aquele único cartão.
E tem mais: vender o celular; fazer aquilo que gosta: transformar os passatempos preferidos em trabalho rentável; jejuar uma vez por semana; nos outros dias, comer de preferência os alimentos considerados mais baixos na cadeia alimentar, como verduras e legumes; despedir o massagista e o treinador pessoal de ginástica, e caminhar quilômetros pelas ruas; parar de tentar mudar os outros; jogar fora todos os remédios, menos a aspirina; reduzir todas as expectativas.
“Não é fanatismo, e sim lógica”, afirma Joe Dominguez quando comenta conselhos desse tipo. Ele é autor de Your Money or your life (“Seu dinheiro ou sua vida”), que vendeu quase um milhão de exemplares só nos Estados Unidos. Dominguez, ex-corretor no centro financeiro de Wall Street, em Nova York, explica como fazer o cálculo simples que, há duas décadas, o convenceu a revolucionar a própria vida. Basta somar as compensações econômicas de uma vida dedicada ao trabalho e confrontá-las com a sua riqueza atual. “Você ganhou mais de um milhão, e hoje o valor líquido que possui em caixa está abaixo de zero, e você está cheio de dívidas? Então, a única pergunta que você deve se fazer é a seguinte: Valeu a pena?”
1. Nunca esquecer o antigo ditado “o barato sai caro”. As coisas de boa qualidade custam mais, mas rendem em compensação muito mais do que a abundância medíocre.
2. Renuncie a todo e qualquer integralismo: pode-se “baixar a bola” para adquirir certo tipo de produto, e não baixá-la para outros tipos. Exemplo: comprar camisetas em qualquer supermercado barato; mas a garrafa de bom vinho italiano apenas em casas de confiança.
3. Refletir sobre o fato de que, com freqüência, gastamos dinheiro que não temos para comprar coisas que não nos interessam só para impressionar pessoas de quem não gostamos. Em resumo, antes de gastar, perguntar se o fazemos para o nosso prazer ou para o prazer dos outros.
4. Ao comprar “bens duráveis”, certificar-se de que eles realmente trazem a garantia de longa duração.
5. Pensar que o tempo é dinheiro em dois sentidos: a) porque pode ser empregado para ganhar dinheiro; b) porque tempo vale tanto quanto dinheiro.
6. Refletir de vez em quando sobre o trabalho e a carreira: eles nos satisfazem realmente, ou mergulhamos neles com fúria e descomedimento só para preencher outros “vazios” existenciais?
7. Aprender a cultivar prazeres de baixo custo e virtualmente inexauríveis, como a arte, a música, a leitura.
8. Convencer-se de que, se o governo poderá tirar de nossos filhos a herança “patrimonial” que queremos lhes deixar, não poderá privá-los da cultura, do saber e do equilíbrio psicológico que pudermos lhes transmitir.
9. Mesmo sem nutrir grandes simpatias pelos ecologistas, é preciso reconhecer o fato de que um consumismo mais seletivo significa um uso mais moderado dos recursos do planeta.
10. Não se deixar tomar pela neurose do pauperismo: a vida simples foi concebida para se viver melhor, e não para a autoflagelação.
DESCONTO? DICAS EFICAZES
* Um desconto de 5 a 10% pode ser solicitado em qualquer loja, salvo nos supermercados. Sobretudo quando o pagamento é em dinheiro ou com cheque. Caso contrário, ameace pagar com cartão de crédito.
* À vezes é preciso jogar com a carta da concorrência. Com freqüência, para se conseguir um desconto, basta dizer: “Sim, essa panela me agrada. Mas acho que na loja tal (dar o nome de um concorrente) é mais barato”.
* É difícil que um produto, não importa qual seja, não apresente algum senão, algum pequeno defeito. Critique um botão mal pregado, uma costura mal feita, pequenas manchas ou riscos quase invisíveis. Esses defeitos mínimos podem ser bons aliados da sua carteira.
* É muitas vezes inútil insistir com o balconista para que dê desconto. Melhor dirigir-se diretamente ao gerente ou, pelo menos, ao chefe da seção.
* Finja ser conhecedor profundo do produto que deseja comprar. Prepare-se com antecedência, com a ajuda de amigos ou de revistas especializadas. Uma frase competente, dita como quem não quer nada, apenas para impressionar, pode fazer baixar o preço. Todo vendedor receia que o cliente esperto encontre algum defeito no produto.
* Vá às compras com o cônjuge ou com um amigo que lhe dê apoio com comentários do tipo “sim, é bonito, mas é muito caro… talvez, com um bom desconto…”
* Declare-se cliente habitual da casa (mesmo que isso não seja verdade), recordando todos os produtos que você já comprou e aqueles que pretende comprar no futuro.
* Sobretudo no que diz respeito a artigos muito caros, um bom desconto pode ser obtido se a compra não se limita a um único exemplar. Faça a compra junto com um ou mais amigos que também necessitam daquele produto.
* Um princípio análogo pode ser aplicado a produtos que, como os eletrodomésticos e aparelhos eletrônicos, implicam na aquisição de acessórios. Comprar tudo na mesma loja.
Originally posted 2011-08-21 20:05:08.