Por Luis Pellegrini, das Ilhas Turks and Caicos
Ancorado em seu copo cheio de uísque e gelo, o advogado inglês retrucou com um sorriso malicioso quando falei do meu espanto. Estávamos lado a lado no bar do Amanyara Villas, fazendo hora para o jantar. Com seu teto abobadado, todo feito de madeira tek, em estilo indonésio, o bar é ponto focal desse resort de luxo a noroeste da ilha caribenha de Providenciales. A luz do entardecer dava ao mar, bem diante de nós, um brilhante tom turquesa quase irreal. O turquesa, em todas as suas variações, reina absoluto no panorama de Providenciales.
Acabara de visitar alguns dos 40 pavilhões de madeira e vidro do Amanyara, e durante o dia passara de raspão por alguns outros condomínios privados da ilha. Com franqueza, manifestei ao inglês minha surpresa e encantamento. Paraíso coralino do arquipélago das Turks and Caicos – ilhas britânicas a meio caminho entre as Bahamas e a República Dominicana -, certas áreas de Providenciales são palco de recentes espetáculos de arquitetura e design contemporâneos dignos de faraós do antigo Egito.
Além de hotéis e grandes resorts, vários condomínios de alto luxo foram construídos para atender à demanda de um público milionário. Dezenas de quilômetros de canais foram escavados no calcário claro da ilha, e por eles entrou o mar, de modo que o conjunto, visto de longe, parece um complexo sistema de ruas e avenidas onde, no lugar do asfalto negro, existe água… turquesa. Às margens dos canais, uma sucessão de mansões opulentas, feitas de pedra, alvenaria e madeira, quase todas no estilo da ilha: um misto da arquitetura do Caribe rico com a dos antigos casarões de Key West, na Flórida. Escavadas bem ao lado de cada mansão, marinas de bom tamanho passam os dias na expectativa de cumprir sua missão: acolher os barcos e iates dos seus proprietários. Barcos e iates que, por enquanto, e a bem da verdade, quase não chegam. Tudo é silêncio lá pelos lados desses condomínios privilegiados. Fora os vigias, ninguém mora nas mansões, e passear por ali é como atravessar cidades fantasmas feitas de palacetes recém-construídos.
“Os donos aparecem a cada dois ou três anos, ficam uns dias para ver se está tudo em ordem, e logo vão embora. Têm pouco tempo e muitas propriedades para visitar ao redor do mundo…”, comentou o advogado, que passa parte do ano em Providenciales, para cuidar dos aspectos legais de grandes transações imobiliárias. “São condomínios exclusivos para milionários de grande porte. Você sabe, os problemas dessa gente são diferentes dos problemas das pessoas comuns. Suas necessidades são outras. Até o final da década de 80, tinham medo de uma hecatombe atômica mundial. Construíram abrigos anti-atômicos subterrâneos em vários lugares do mundo, com ar, água e comida suficiente para manter viva a família inteira lá embaixo, caso isso fosse necessário. Nas últimas décadas, seus pesadelos mudaram. Temem agora uma catástrofe sócio-econômica global, e escolheram certos lugares para construir santuários onde pensam se refugiar se a catástrofe vier. Providenciales é um deles”.
Santuário de luxo, claro. Pode-se imaginar a hecatombe sócio-econômica estourando no Primeiro, Segundo e Terceiro Mundos, e os iates chegando a Providenciales com seus refugiados, deslizando tranqüilos através dos canais, e aportando em segurança nas marinas privadas. E depois, todos os passageiros a descansar no conforto seguro de suas mansões…
Por que Providenciales? O advogado pareceu surpreso ante a ingenuidade da minha pergunta: “Além de a ilha ser linda, está a 90 minutos de vôo de Miami, tem um clima perfeito o ano todo, e é um paraíso fiscal garantido pela coroa britânica. Aqui não existe o risco de um governo cucaracha tomar o poder da noite para o dia, como em certos outros lugares do Caribe”.
Entendi. Meu companheiro de balcão era um daqueles investidores… Agarrei eu também um uísque e resolvi mudar de assunto. Comecei a pensar na população nativa de Providenciales: cerca de oito mil negros, retintos, sem mistura. Uma etnia curiosa: os homens são em geral magros e esguios, as mulheres grandes e corpulentas, daquelas que com uma braçada derrubam qualquer um. Dizem até que o regime lá é meio matriarcal. Se alguma dessas senhoras enjoa do marido, simplesmente o põe para fora e arruma um outro. Mas são todos finíssimos. A educação é totalmente inglesa, de primeira ordem, e o padrão de comportamento se espelha no dos lordes e ladies da corte de Elizabeth.
A história passada dessa gente, no entanto, é muito dura. Descendem de escravos americanos abandonados na ilha pelos seus donos, fazendeiros ingleses estabelecidos na Flórida. No final do século 18, quando a península foi entregue pelos ingleses à Espanha, esses fazendeiros não aceitaram viver sob o domínio hispânico, e foram de mala e cuia para Providenciales plantar algodão. Levaram consigo cerca de 1500 escravos. Conta-se que no primeiro ano a colheita foi até razoável. Mas, já no segundo ano, caiu pela metade. No terceiro ano, nada. As ilhas Turks and Caicos são na verdade imensos rochedos de pedra coralina. Não existe água na superfície, e ainda não se sabia da existência de bons depósitos de água doce no subsolo. A camada de terra fértil reduzia-se a poucos centímetros. Como se não bastasse, houve duas pragas seguidas de cochonilhas e de um outro verme, e um furacão deu a pá de cal, destruindo casas e barracos. Fartos, os ingleses fizeram as bagagens e partiram de volta para a Europa. Até hoje o cancioneiro popular dos nativos lembra o momento terrível em que os barcos dos brancos iam embora, e os negros nas praias gritavam desesperados para irem juntos. Foram abandonados sem casa, sem roupas, sem água ou comida. “Tudo que eles nos deixaram foram seus sobrenomes”, disse-me um nativo, “como se a gente pudesse comê-los”. De resto, ficaram literalmente aos Deus dará. E Deus deu. Aprenderam a conservar em cisternas a água das chuvas raras, a pescar e a catar no fundo do mar as enormes golden conchs, “caramujos dourados”, moluscos que viraram a base da sua deliciosa cozinha crioula.
Ficaram lá sozinhos, crescendo e se multiplicando, até a segunda metade deste século, quando a Inglaterra tomou vergonha e passou a cuidar deles. Na década de 60, quando o governo da rainha começou a se desfazer das colônias, perguntaram aos nativos das Turks and Caicos se queriam a independência. A resposta esmagadora foi não: “Vocês nos abandonaram uma vez, não vão nos abandonar uma segunda”, responderam indignados os negros. E continuaram súditos da coroa. Hoje, eles constituem a casta superior da negritude em Providenciales. Ocupam cargos na administração, no comércio e no turismo. Depois vêm os imigrantes da Jamaica, e finalmente os refugiados haitianos, os mais pobres, que desempenham os trabalhos mais humildes. Até entre os negros dessa ilha existe separação de classes…
Na década de 80 começou o turismo em Providenciales. Primeiro veio o Clube Mediterranée, instalado na Grace Bay, praia magnífica ao norte da ilha. Na esteira dele chegaram vários hotéis americanos, ingleses e franceses de luxo e médio-luxo, dois cassinos, muitos restaurantes, butiques, supermercados, galerias de arte e de artesanato, clubes náuticos e várias escolas de mergulho. Os parques coralinos subaquáticos de Providenciales são fabulosos – Jacques Cousteau os incluiu entre os três sítios mais importantes e bonitos do mundo para a prática do mergulho. E, por último, chegaram os condomínios-ilhas-da-fantasia para os tio-patinhas das Américas, da Europa e do Oriente Médio, bem como os resorts do tipo do Amanyara.
Mas não, não é preciso ser milionário para se desfrutar dos atrativos de Providenciales. Claro, evidentemente, a proposta da ilha não é ser mais uma Bahamas ou Cancún caribenha dedicadas ao turismo farofeiro barato. Mas a tabela de preços do excelente Ocean Club, por exemplo, oferece um bom estúdio para duas pessoas por cerca 200 dólares a diária fora da alta temporada – dezembro a fevereiro -, quando o preço sobe para 300 dólares. E vários outros hotéis e condomínios quatro estrelas têm ofertas na mesma faixa. É bom aproveitar logo, enquanto pouca gente sabe da existência de Providenciales. E antes que a hecatombe sócio-econômica mundial comece realmente e a ilha seja invadida pelas hordas de milionários em busca de suas mansões-santuários.
Amanyara, retiro quase secreto de milionários
O resort Amanyara é o melhor exemplo da opulência que caracteriza a hotelaria da ilha de Providenciales. Marcando a entrada no Caribe da Amanresorts (top of line mundial no mundo dos resorts de alto luxo), esse resort foi inaugurado em março de 2006. Desde então é porto seguro para celebridades e milionários do mundo todo, ávidos para desfrutar dos recursos que resort oferece e, em muitos casos, da privacy total que garante. No Amanyara, citar o nome de clientes é crime punido com a demissão sumária. A custo soubemos que o cantor Prince, o ator Denzel Washington e o casal David e Victoria Beckham são habitués. Dos brasileiros, só o nome do ator Rodrigo Santoro, que foi lá descansar de filmagens nos Estados Unidos.
Espaçoso, imponente e voltado para a vista e o murmurar calmo do mar bem ali em frente, poderia ser definido como um delírio estético do arquiteto e designer francês Jean Michel Gathy, reconhecido mundialmente por seu trabalho junto ao grupo Aman. Para começar, em todos os seus pavilhões, villas, terraços, piscinas, jardins e dependências sociais não existe uma única luz direta. Todas são indiretas, criando uma espécie de luminosidade quente e difusa que, à noite, confere a todo o conjunto uma atmosfera mágica e quase irreal. No Amanyara tudo é pensado com precisão matemática, até a posição das árvores, flores e arbustos.
Para entrar no resort, passa-se por um grande pavilhão de recepção que dá para um pátio e um jardim no centro do qual há um espelho d’água. Em torno do pátio ficam a biblioteca, o bar e o restaurante. O bar é circular, e diante dele fica a piscina de 50 metros do resort e um espaçoso deque. A vista do mar é espetacular; há uma chaise-longue em cada janela de toda a sua extensão para quem quiser se largar e relaxar. O restaurante tem mesas ao ar livre e em ambientes com ar condicionado, sempre com vistas incríveis. A gastronomia é asiática e mediterrânea, com ênfase em frutos do mar recém pescados. A biblioteca possui muito material de leitura, e alguns computadores para quem não trouxe o seu pessoal e deseja consultar a correspondência.
As villas, que se estendem à beira mar, à direita e à esquerda dos pavilhões centrais, respeitam conceitos similares: um pavilhão central com varandas, sala de jantar e sala de estar; um grande espelho d’água de um lado, uma piscina aquecida e de borda infinita no outro; ao redor de tudo isso há três, quatro ou cinco pavilhões independentes, com banheiras e chuveiros. Cada villa possui uma cozinha inteiramente equipada, e um cozinheiro e uma arrumadeira pessoais estão à disposição para tudo que os hóspedes precisarem.
Cada villa inclui um ou mais carrinhos elétricos de golfe de quatro lugares para facilitar o acesso às outras áreas do resort. O Amanyara oferece duas quadras de tênis iluminadas adjacentes ao fitness center, e a Villa da Serenidade, spa do resort com dois pavilhões duplos de tratamentos e um pavilhão de relaxamento com a butique do spa, piscina, sala de ioga e meditação, sala de Pilates equipado com reformer. No spa os hóspedes podem escolher uma variedade de massagens, wraps, esfoliações, limpezas de pele e tratamentos de beleza, sendo que todos esses serviços também podem ser realizados na privacidade das villas e dos pavilhões.
O conjunto se completa com uma sala de vídeo multimídia completamente equipada com 35 poltronas de couro, DVD player, TV a cabo, internet banda larga e projetor. O Golf Clube de Providenciales, considerado um dos dez melhores do Caribe, fica a apenas 30 minutos de carro do resort.
O pacote de sete noites no Amanyara fica a partir de US$ 12 mil por casal. Inclui todas as refeições, a exibição particular de filmes, um jantar à luz de velas num recanto romântico do resort, massagens zen, aulas de ioga e Pilates e uma sessão de fotos para você levar de lembrança.
Mais info:
www.amanyaravillas.com
www.visitprovidenciales.com
Como chegar:
De avião até Miami. De Miami há dois vôos diários da American Airlines para Providenciales.
Originally posted 2011-05-12 20:40:30.