As últimas descobertas científicas sobre as circunstâncias nas quais aconteceu a domesticação canina. Mais que a história de uma amizade multimilenar entre o homem e um animal selvagem, ela narra o quadro das origens da civilização humana e da inteligência social.
Por: Equipe Oásis
Fotos da Galeria: Lisi Niesner
A história que nos liga ao melhor amigo do homem ainda permanece cheia de interrogações e mistérios não resolvidos. Quando se fala de domesticação dos cães, as opiniões na comunidade científica se dividem quanto as datas em que ela começou e como as coisas realmente ocorreram. Num ponto, porém, as coisas começam a ficar bem claras sobre como o homem e o cão se tornaram amigos e aliados.
Um artigo no site da revista Science resume as últimas descobertas a respeito. Durante décadas, acreditou-se que os primeiros cães entraram na história do homem quando nossos antepassados decidiram levar filhotes de lobo para os seus acampamentos, nutrindo-os e cuidando deles.
Investigações genéticas dizem que tais processos começaram há muito mais tempo do que se imaginava. Em 1997, análises do DNA de mais de 300 lobos e cães de raças modernas mostravam claramente quando estes últimos começaram a se diferenciar do lobo ancestral. A comissão concluiu que os cães começaram a ser domesticados há 135 mil anos! Estudos posteriores defendem que o surgimento dos cães começou bem mais tarde, há cerca de 30 mil anos. De qualquer forma, a data exata e o local em que isso aconteceu permanecem um mistério.
Metamorfose gradual
A hipótese, formulada em 1907 pelo cientista britânico Francis Galton, não levou em conta o fato que a domesticação de um animal selvagem é um processo que requer centenas, milhares de anos. Apesar dos cuidados, aqueles filhotes de lobo, crescendo, seriam fatalmente levados a reafirmar a sua natureza selvagem. Hormônios e genética falariam mais alto do que todo afeto e carinho. Como nasceu, então, o laço especial que existe entre o homem e o cão?
A maioria dos etologistas (especialistas em comportamento animal) preferem hoje a hipótese da auto-domesticação. Os primeiros homens deixavam pilhas de carcaças de animais nos limites dos seus acampamentos: despojos que deviam atiçar o apetite dos lobos mais audazes, capazes de se aproximar dos homens sem sentir medo.
Esses exemplares, bem nutridos, viveram mais que os outros e geraram mais filhotes. De geração em geração, a coragem se tornou um traço evolutivo de sucesso, que levou alguns lobos a comer na mãos do homem. Foi nesse ponto que, provavelmente, teve início uma fase mais ativa da domesticação: os lobos mais conhecidos foram integrados aos agrupamentos humanos, usados como guardiões, companheiros de caçada, pastores.
Um estudo da Universidade de Aberdeen, Escócia, feito em colaboração com vários museus, universidades e coleções privadas de todo o mundo, permitiu comparar centenas de esqueletos de lobos e cães, revelando nos ossos de cães alguns indícios de como ocorreu a domesticação. Por exemplo, o achatamento das pontas das vértebras dorsais dos cães sugerem que os animais carregassem cargas nas suas costas. Ou ainda, a falta de pares de molares no maxilar exterior, talvez ligada ao uso de rédeas para cães-lobo empregados em trabalhos de arrasto de trenós.
De todos os modos, essas formas de ajuda foram cruciais para a sobrevivência e o desenvolvimento dos nossos ancestrais. A ligação com os cães desde então foi sendo reforçada mais e mais. Um estudo japonês publicada neste mês na Science revela a arma definitiva que os cães utilizaram para irromper no coração dos homens: a oxitocina.
Um olhar que fala
Segundo Takefumi Kikusui, etólogo da Universidade de Azabu, em Sagamihara, no Japão, os cães teriam conseguido desenvolver um mecanismo típico do enlace afetivo que existe entre mães e filhos. Esse mecanismo é aquele que ocorre quando duas pessoas se olham afetuosamente olhos nos olhos: tal situação estimula a recíproca produção de oxitocina, um hormônio produzido pelo cérebro que reforça a empatia e a confiança recíproca e propicia uma compreensão mútua, até mesmo sem uma comunicação verbal. Tal capacidade teria ajudado os cães a permanecerem conectados aos seres humanos, e seria um dos motivos que nos leva a definir esses animais como sendo parte integrante das nossas famílias.
A história da domesticação dos cães, concluem os cientistas, revela muito mais do que a simples origem desses animais: narra o quadro bem mais complexo das origens da civilização humana e da inteligência social.
GALERIA
Para compreender os lobos é preciso viver e se comportar como eles. Para fazê-lo, o primeiro passo é saber ganhar o seu respeito. A partir destas simples considerações teve início a aventura do zoólogo alemão Werner Freund que, em 1972, criou uma reserva de lobos na floresta de Merzig, no extremo sul da Alemanha. Mas Freund não parou ali: ele decidiu viver como lobo entre os lobos, partilhando com eles cada momento da sua vida, caçadas e refeições inclusive.
A bela galeria de imagens abaixo mostra Werner Freund em várias situações com seus amigos lobos.
1 No interno da matilha, Freund se comporta como o elemento dominante, o que lhe valeu o papel de líder reconhecido por todos os outros membros. Como todo líder que se respeite, quando se trata de comer ele é o primeiro a alimentar-se da presa, arrancando nacos de carne crua com os dentes para recordar a todos a sua autoridade, para depois lançá-la aos outros lobos que se alimentarão respeitando a hierarquia da matilha.
2 Primeiro foram os alvos lobos árticos, todos provenientes de zoológicos ou parques naturais. Em 40 anos de convivência com os lobos, Freund criou 70 filhotes, todos como se fossem filhos seus. A partir da quinta semana de vida, com a permissão da mãe loba, Freund transcorria as noites dormindo sobre a terra com eles. Quando cresciam, ele os treinava para a caça e brincava com eles, como faz um bom pai. Hoje não existem apenas lobos árticos na reserva: além deles, entre os 29 animais da matilha existem também exemplares europeus, canadenses, siberianos e mongóis, como é o caso de Heko, o exemplar desta foto tirada quando ele lambe a língua de Freund em sinal de reconhecimento.
3 Mas para viver com os lobos é necessário falar a mesma língua. Por isso Freund aprendeu a ulular como eles, estudando a sua linguagem até dominá-la por completo.
4 Um lobo ártico responde ao chamado de Freund como se fosse o de um seu similar. Na natureza, ulular faz parte da grande sociabilidade dos lobos e tem principalmente o objetivo de assinalar a própria posição ao resto da matilha, possibilitando a inspeção acurada do território de caça.
5 Hora do almoço para os lobos do Wolfspark Werner Freund. Javalis, lebres e cervos constituem o alimento habitual da matilha, mas com frequência andar juntos à caça de animais selvagens no interior da reserva não é suficiente para matar a fome de todos os membros do grupo. Um lobo adulto, com efeito, necessita de 3 a 5 quilos de carne por dia, e Freund sabe disso. Assim, quando a caçada não basta, é ele a pensar em todos, contando com a ajuda de camponeses, criadores e vizinhos do parque: um velho touro ou um veado atropelado por um carro constituem um presente dos céus, permitindo-lhe matar a fome dos seus vorazes amigos. Mas regras são regras, e o primeiro bocado é sempre para Freund, embora ele depois permita a seus lobos alimentar-se diretamente do pedaço que segura com os dentes, numa atitude de máxima confiança e respeito recíproco.
6 Viver com 29 temíveis predadores não significa sempre viver no sétimo céu. Os embates no interno da matilha acontecem, e Freund aprendeu que as regras hierárquicas têm de ser sempre respeitadas, pois disso depende a boa convivência da matilha como um todo. Em certa ocasião, anos atrás, Freund tentou apartar duas lobas em luta, mas a mais forte reagiu mordendo-o. Nesse ponto, o lobo macho que vinha logo abaixo de Freund na hierarquia expulsou a loba desrespeitosa da matilha. Essa loba ficou fora do grupo até que decidiu voltar a lamber as mãos do amigo humano, pedindo-lhe desculpas.
7 O lobo ártico, com pelo branco e macio, conquistou o coração de Freund. Até cerca de 150 anos, na Europa, registravam-se raros e ocasionais episódios de agressões a humanos por parte de lobos isolados. Apesar disso, o lobo negro é um dos temas mais difusos quando se quer fazer medo às crianças.
8 Werner Freund acaricia com seu bastão de caminhada Monty, o macho dominante da matilha. O casal alfa assume uma postura predominante, caracterizada pela cabeça e a cauda mantidos bem altos e as orelhas retas. Os outros membros da matilha, por seu lado, demonstram sua submissão lambendo o focinho deles e mantendo a cabeça, a cauda e as orelhas mais baixas do indivíduo de posição hierárquica superior.
9 Se Freund é por todos considerado o líder, quando ele está ausente quem o substitui é Meiko, o macho alfa ergo, o seu alter ego sobre quatro patas. Todos os dias, quando Freund chega, ele é sempre o primeiro a se aproximar para saudá-lo, enquanto todos os outros esperam em sinal de respeito. Depois que esse macho lhe lambeu a face em sinal de saudação, também os demais lobos podem se aproximar.
10 O valor e o significado da matilha para os lobos atinge o seu ponto máximo durante as caçadas. É nesses momentos que o jogo de equipe passa a ter um papel fundamental, determinante do sucesso da empreitada, ou seja, da sobrevivência. A força dos lobos depende totalmente da coordenação do próprio grupo. Os membros da matilha caçam juntos qualquer animal que se encontre em seu território, seja ele pequeno ou grande. Os exemplares solitários são obrigados a se contentar com presas pequenas, tanto porque só devem encontrar alimento para si próprios, quanto pelo fato de que caçar um grande animal pode ser muito perigoso para um lobo que age sozinho.
11 No lobo, o que fascinou tanto Werner Freund a ponto dele decidir transcorrer a própria vida na matilha? Provavelmente a própria natureza desse animal sensível e inteligente, capaz de ser ao mesmo tempo indivíduo livre e membro de uma sociedade. Um animal que cuida dos seus doentes, protege a família e sente necessidade de pertencer a alguma coisa maior que ele mesmo: a matilha. Todas as matilhas de lobos possuem uma estrutura bem definida, formada por um casal dominante (macho e fêmea alfa), um indivíduo ou um casal beta (vice-líder), alguns indivíduos de categoria mediana e por um lobo de baixa categoria (omega).
12 Para sobreviver, os lobos precisam de cerca 5 quilos de carne diariamente, mas isso não significa que tenham a possibilidade de comer com regularidade. Muitas vezes sucede que fiquem sem comida por mais de um dia, e assim sendo costumam comer com voracidade tudo aquilo que conseguem engolir, chegando a comer 9 quilos de carne em uma única refeição.
13 Cada matilha possui uma estrutura social fortemente hierárquica. O casal alfa, chefes do grupo, não apenas são monógamos mas também são os únicos da matilha que terão filhotes. Estes serão cuidados e protegidos por todo o resto do grupo. Quando se tornam adultos, ao redor dos dois anos de idade, podem escolher ficar na matilha, ocupando-se dos filhotes do casal alfa, ou ir embora abandonando o grupo. Na matilha cada um tem um papel bem definido e quem quiser mudar isso, subindo na escala social ou assumindo a liderança, deve demonstrar em combate que está à altura das suas pretensões.
14 Cercado por lobos árticos no interno da reserva que criou, Werner Freund divide com seus amigos lobos também os momentos de relax. Na verdade o pesquisador é casado e sua esposa vive numa pequena casa construída ao lado da floresta cercada onde vive a matilha.
Originally posted 2017-04-22 13:25:54.