Momentos de transição são inevitáveis. Alguns são anunciados (um nascimento, uma rescisão de contrato de trabalho). Outros chegam de modo inesperado (uma doença, um encontro romântico). Às vezes, as mudanças nos desviam brutalmente do caminho que estávamos seguindo. Elas nos desestabilizam e nos mergulham na desorientação psíquica. Mas uma coisa é certa: É ao largar o que é antigo que finalmente poderemos receber o novo.
Por Pascale Senk – Le Figaro Santé
Com a evolução da sociedade, as mudanças de trajetória são cada vez mais frequentes. É o que constata a psicanalista e coach Luce Janin-Devillars, autora de «Estar melhor no trabalho» (Editora Michel Lafont). «Hoje, os conceitos de sustentabilidade emocional, familiar ou profissional não existem mais. Ao casar, muitos casais sabem que provavelmente irão se divorciar, ela observa. Devemos estar prontos para viver muitas vidas em uma única existência!»
A psicanalista e psicóloga social Anasthasia Blanché por sua vez, realiza há seis anos, seminários sobre o tema das transições no Instituto Internacional de Sociologia Clínica, em Paris. Para ela, na vida de uma pessoa, existe o evento externo (seja ele familiar, histórico ou profissional), e existe a repercussão e ressonância interna que esse mesmo evento provoca.
Ressurreição
«Na psicologia, muitos estudos foram realizados sobre as etapas de transformação em crianças e adolescentes, mas ainda são poucos os estudos desses eventos em adultos”, lamenta a psicanalista. No entanto, os períodos de distúrbio, às vezes de tempestade, causados por certas mudanças, acarretam repercussões internas. Quem confronta um desses períodos, morre para o que era. Irá ressuscitar, isso é certo, mais cedo ou mais tarde. Mas, durante um tempo intermediário, essa pessoa terá perdido os seus pontos de referência, e viverá esse limbo até conseguir integrar a sua nova identidade.
Exemplos: Desorientada, uma jovem solteira que acaba de dar à luz não sabe se deve voltar a morar com os pais (e perder sua liberdade) ou se deve continuar morando sozinha e enfrentar o desafio de criar uma criança a partir de seus próprios recursos. Uma outra mulher, de 52 anos, está cheia de dúvidas: Ela acaba de encontrar um novo amor. Deverá aceitar a proposta e ir morar com ele, com o risco de perder a sua independência e liberdade tão duramente conquistadas? Um homem que conseguiu seu diploma universitária em idade avançada: Deve procurar um novo emprego onde poderá usar e desenvolver suas novas aptidões? OU será melhor permanecer no emprego convencional que o amarra há vinte anos, para conservar a estabilidade e segurança de um salário garantido?
Recursos internos
Num mundo sujeito a transformações cada vez mais rápidas (tanto no âmbito da sociedade quanto do indivíduo) existe hoje farta oferta de seminários, cursos e atividades várias onde as pessoas aprendem a confrontar esses dilemas e a assumir a melhor opção em relação a ele. Pois a verdade é que todos esses indivíduos estão vivos – e vida significa mudança constante, queiramos ou não – e todos eles, por outro lado, já passaram por experiência de transformação desestabilizadoras, porém muitas vezes se esqueceram disso. Todos têm, guardados lá dentro, os recursos necessários para vencer os novos desafios. Mas esses recursos tantas vezes estão embutidos, mantidos em segredo. A pessoa não sabe que basta pouco para lhes dar uma nova vida. Às vezes, a simples pergunta: “Como é que você fez no passado?” já é suficiente»
Pesquisas recentes sobre os processos de resiliência (a capacidade de se recuperar e se reerguer após passar por períodos difíceis) mostram que os recursos individuais comprovados na maioria dos casos são a autoestima, o sentimento de controle sobre a sua própria vida, a capacidade de provocar empatia, a criatividade, o bom humor, etc… São, todos eles, armas que permitem avançar e vencer a prova, apesar da dúvida e do medo do desconhecido.
Para a especialista francesa Luce Janin-Devillars, o recurso essencial sempre disponível nestes tempos de desestabilização se resume frequentemente em uma única palavra: o “terceiro”. Que ele seja um grupo de apoio, um especialista, um amigo, uma associação de pessoas à procura de emprego, não importa… «Precisamos de alguém neutro, não retirado da nossa própria história de vida, alguém isento que nos faça novamente perceber quais são as nossas forças e as nossas fraquezas », afirma Janin-Devillars. Tais pessoas ou grupos de pessoas são muitas vezes referidas como «pontos de ancoragem pessoal», «mentores» ou «tutores de resiliência».
O que é realmente fundamental, em termos e em tempos de mudança, é perceber e aceitar o fato de que só ao largar o que é antigo e se tornou inútil poderemos finalmente receber e acolher o novo.
Originally posted 2018-02-06 20:19:17.