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Julian Assange. O prisioneiro que não cede ao Grande Irmão

Julian Assange foi preso pela polícia inglesa. Em texto publicado há duas semanas, o escritor John Pilger descreve seus encontros orwellianos com o fundador do Wikileaks. Ele frisa: o cerco a Assange expressa a fraqueza do poder imperial

Julian Assange, co-fundador do site Wikileaks

 A Polícia Metropolitana de Londres deteve nesta quinta-feira Julian Assange, cofundador do Wikileaks, depois que o Equador cassou o asilo diplomático que lhe oferecia há quase sete anos, segundo um tuíte da própria corporação policial britânica. O presidente do Equador, Lenin Moreno, também confirmou na rede social que cancelou o asilo diplomático a Assange, que vivia desde junho de 2012 dentro da Embaixada equatoriana em Londres. Na mensagem, o mandatário também anexou um vídeo em que afirma ter solicitado ao Reino Unido “a garantia de que o senhor Assange não seria entregue em extradição a um país onde possa sofrer torturas ou a pena de morte”. “O Governo britânico confirmou isso por escrito, em cumprimento às suas próprias normas”, acrescentou Moreno.

Abandonado pelo governo de Quito, Assange compareceu perante um juiz britânico depois que as autoridades norte-americanas emitiram um pedido de extradição ao Reino Unido e, nesta noite, dormiu na prisão. Conforme explicou a Scotland Yard e, posteriormente, confirmou a primeira-ministra Theresa May no Parlamento, a detenção foi em resposta a um pedido de extradição do Governo dos EUA. Assange enfrenta a acusação de um grave crime contra a segurança dos computadores: a publicação, no site Wikileaks, de centenas de milhares de documentos classificados pelo Departamento de Defesa. A penalidade por esse tipo de ato é de cinco anos de prisão. Naquela ocasião, ele teve a colaboração de um analista de inteligência, Chelsea Manning [que trabalhava no Pentágono com o nome de Bradley Manning, antes de mudar de sexo]. Juntos, eles publicaram toneladas de material secreto, entre os quais havia informações sobre as guerras no Iraque e no Afeganistão ou telegramas diplomáticos do Departamento de Estado, o que colocou as relações de Washington com o resto do mundo em risco.

Cineasta John Pilger fala em ato realizado em Londres pela liberdade de Assange
 

 

No domingo (3), em Sidney, Austrália, uma manifestação exigiu do governo australiano que aja em defesa do cidadão australiano Julian Assange, fundador do site WikiLeaks, ameaçado de processo secreto de extradição por expor os crimes de guerra dos EUA no Iraque e no Afeganistão, e cujo asilo na embaixada do Equador em Londres, sob a presidência do títere Moreno, foi virtualmente transformada em uma prisão política não declarada.

Discurso de John Pilger

O cineasta e escritor John Pilger foi um dos principais oradores. Abaixo, os principais trechos do seu discurso:

Toda vez que visito Julian Assange, nos encontramos em uma sala que ele conhece muito bem. As cortinas estão sempre fechadas e não há luz natural. O ar está parado e fétido. Este é o quarto 101.

Antes de entrar no quarto 101, devo dar meu passaporte e meu telefone. Meus bolsos e minhas posses são examinados.

As câmeras estão por toda parte no quarto 101. Para evitá-las, Julian nos manobra num canto, lado a lado, encostado na parede. É assim que nos atualizamos: sussurramos e escrevemos um para o outro em um caderno, que ele protege das câmeras. Às vezes nós rimos.

Quando o horário designado expira, a porta do quarto 101 se abre abruptamente e o guarda diz: “o tempo acabou!”

Claro, Quarto 101 é o quarto no romance profético de George Orwell de 1984, onde a polícia do pensamento vigiava e atormentava seus prisioneiros, e pior, até que as pessoas renunciassem à sua humanidade e seus princípios e obedecessem ao Grande Irmão.

Julian Assange nunca vai obedecer ao Big Brother. Sua resistência e coragem são incríveis, apesar de sua saúde.

Julian é um australiano distinto que mudou a maneira como muitas pessoas pensam sobre governos dissimulados. Por isso, ele é um refugiado político submetido ao que as Nações Unidas chamam de “detenção arbitrária”.

A ONU diz que ele tem o direito de livre passagem para a liberdade, mas isso é negado. Ele tem o direito de receber tratamento médico sem medo de ser preso, mas isso é negado. Como fundador e editor do WikiLeaks, seu crime tem sido dar sentido aos tempos sombrios. WikiLeaks tem um registro impecável de precisão e autenticidade que não há jornal, canal de televisão, estação de rádio, BBC, New York Times, Washington Post ou Guardian que possa se igualar. Isso explica por que ele está sendo punido.

Na semana passada, o Tribunal Internacional de Justiça [Corte de Haia] determinou que o governo britânico não tinha poderes legais sobre os ilhéus Chagos, que, nos anos 1960 e 1970, foram expulsos em segredo de sua terra natal em Diego Garcia, no Oceano Índio e enviados para o exílio e a pobreza.

Por quase 50 anos, os britânicos negaram o direito dos ilhéus de retornar à sua terra natal, dada aos americanos para uma grande base militar.

Em 2009, o Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico criou uma “reserva marinha” em torno do arquipélago de Chagos.

Esta preocupação com o meio ambiente foi exposta como uma fraude quando o WikiLeaks publicou um telegrama secreto do governo britânico assegurando aos americanos que “seria difícil, se não impossível, aos antigos habitantes apelar pelo reassentamento nas ilhas se todo o arquipélago de Chagos fosse uma reserva marinha”.

A verdade da conspiração influenciou claramente a decisão transcendental do Tribunal Internacional de Justiça.

O WikiLeaks também revelou como os Estados Unidos espionam seus aliados; como a CIA pode observar você através do seu celular; como a candidata à presidência Hillary Clinton recebeu grandes somas de dinheiro de Wall Street para discursos secretos que asseguraram aos banqueiros que, se eleita, ela seria sua amiga.

Em 2016, o WikiLeaks revelou uma conexão direta entre Clinton e o jihadismo organizado no Oriente Médio: terroristas, em outras palavras. Um e-mail revelou que quando Clinton era a secretária de Estado dos EUA, ela sabia que a Arábia Saudita e o Qatar estavam financiando o Estado Islâmico, mas aceitou doações enormes de ambos os governos para sua fundação.

O WikiLeaks também publicou mais de 800 mil arquivos secretos da Rússia, incluindo o Kremlin, que nos dizem mais sobre as maquinações do poder naquele país do que a histeria da pantomima “Russiagate” em Washington.

Este é um jornalismo real, o jornalismo de um tipo agora considerado exótico: a antítese do jornalismo Vichy, que fala para o inimigo do povo e toma o seu apelido do governo de Vichy que ocupou a França em nome dos nazistas.

O jornalismo de Vichy é censura por omissão, como o escândalo não contado de conluio entre os governos australiano e dos Estados Unidos para negar a Julian Assange seus direitos como cidadão australiano e silenciá-lo.

Em 2010, a primeiro-ministra Julia Gillard foi tão longe quanto ordenar à Polícia Federal da Austrália que investigasse e processasse Assange e o WikiLeaks, até que esta informou que ele não havia cometido nenhum crime.

O pai de Julian havia escrito uma carta comovente para o então primeiro-ministro Malcolm Turnbull, pedindo ao governo que interviesse diplomaticamente para libertar o filho. Ele disse a Turnbull que estava preocupado que Julian não pudesse sair vivo da embaixada.

A chanceler Julie Bishop teve todas as oportunidades no Reino Unido e nos Estados Unidos para apresentar uma solução diplomática que levaria Julian para casa. Mas isso exigia a coragem de alguém que se orgulha de representar um estado soberano e independente, não um vassalo.

Em vez disso, ela não fez nenhuma tentativa de contradizer o ministro das Relações Exteriores britânico, Jeremy Hunt, quando este disse escandalosamente que Julian “enfrentava graves imputações”. Quais imputações? Não havia imputações.

A recusa do Departamento de Relações Exteriores em Canberra em honrar a declaração das Nações Unidas que Julian é vítima de “detenção arbitrária” e tem o direito fundamental à liberdade, é uma violação vergonhosa da letra e do espírito da lei internacional.

A perseguição a Julian Assange é a submissão de todos nós: de nossa independência, nosso respeito próprio, nosso intelecto, nossa compaixão, nossa política, nossa cultura.

Então vamos nos mexer. Organizem, ocupem, insistam, persistam, façam barulho.

Guerra não é paz, liberdade não é escravidão, ignorância não é força. Se Julian pode enfrentar o Big Brother, vocês também podem: vocês podem fazer isso também.

Esse é o trecho principal do discurso feito por John Pilger em um comício por Julian Assange em Sidney, no dia 3 de março, organizado pelo Partido da Igualdade Socialista. Assista, na íntegra (em inglês), a seguir: