LSD, quetamina, psilocibina, três drogas que induzem em quem as experimenta um tipologia de atividade neural nunca antes observada: menos previsível daquela típica do sono, mas muito diversa daquela que manifestamos em estado de vigília. Essas substâncias psicodélicas alteram a atividade do cérebro e produzem um estado aumentado de consciência.
Por: Equipe Oásis
Durante os anos rebeldes das décadas de 1960 e 1970, várias substâncias que modificam a atividade do cérebro e induzem estados alterados de consciência estavam na ordem do dia e foram muito experimentadas e estudadas por cientistas sérios em vários países do mundo. Eram as “drogas psicodélicas”, assim chamadas por provocarem alucinações, visões e estados similares aos de transe. Os efeitos das “viagens alucinógenas” descritos pelos que experimentaram tais substâncias – com muitas narrativas do sentimento de desagregação do ego, distorção do tempo e fusão com o mundo circundante – foram recentemente observados, pela primeira vez com técnicas de escaneamento cerebral de voluntários que, sob controle em laboratório, tomaram LSD, quetamina e psilocibina (um composto existente em certos cogumelos alucinógenos).
Uma mina de informações:
Anil Seth, neurocientista da Universidade de Sussex (Reino Unido), analisou novamente os dados que recebeu do seu colega Robin Carhart-Harris, do Imperial College de Londres. Carhart-Harris, que é um pioneiro dos estudos sobre o cérebro humano sob a ação de drogas sintéticas, monitorou no passado a atividade cerebral de algumas dezenas de pessoas sob os efeitos da quetamina (uma droga sintética que surgiu como anestésico veterinário). Estudou também as reações cerebrais de indivíduos que tinham tomado LSD e psilocibina. Seth e Carhart-Harris subdividiram os dados concernentes a atividade mental dos voluntários em segmentos separados de 2 segundos cada, para depois estuda-los detalhadamente.
Uma imagem inspirada no romance “Os três estigmas”, de Palmer Eldritch , publicado em 1965. Nessa historia, mais que em outras, os estados de alucinação, de desagregação do ego, distorção do tempo e fusão com o mundo circundante emergem com prepotência acima das ações dos personagens.
Nunca antes vistos desse modo
Pesquisas precedentes evidenciaram como, quando dormimos ou quando estamos anestesiados, os neurônios se “acendem” em modo mais previsível e regular do que quando estamos acordados. Até agora, portanto, só tínhamos informações a respeito de estados de ativação da consciência atenuados, em relação àqueles que acontecem em estado de vigília.
Da esquerda para a direita, a atividade do cérebro sob a ação da psilocibina, LSD e quetamina. As áreas em vermelho indicam a ocorrência de uma atividade neural mais caótica e casual com relação à norma.
Com o cérebro sob a ação de drogas psicodélicas acontece o contrário: a atividade neural torna-se de repente mais imprevisível, num contexto que para Carhart-Harris parece ser um estado de consciência mais profundo e mais rico.
“As pessoas tendem a associar a expressão ‘um estado de consciência mais elevado’ à terminologia hippie ou ao misticismo. Nossas descobertas podem constituir o início de uma desmistificação, ao mostrar as suas correlações fisiológicas e biológicas (por causa do consumo dessas substâncias)”, ele explica.
O potencial dessas descobertas implica também o tratamento de doenças como a depressão: os fármacos que atualmente são utilizados operam no estado de consciência ‘normal’, o da vigília, da rotina.
AS PRIMEIRAS IMAGENS DO CÉREBRO SOB A AÇÃO DO LSD
Foram finalmente publicados os dados do controvertido estudo britânico que investigou os efeitos da ingestão do ácido lisérgico (LSD) na atividade cerebral. Os primeiros resultados revelam importantes informações sobre a origem da consciência de si mesmo, e sobre como surgem as alucinações.
Sob o efeito do LSD (a direita), o córtex visual aparece mais interconectado com as outras áreas cerebrais do que sob o efeito de um placebo (esquerda).
Os primeiros escaneamentos cerebrais de seres humanos sob os efeitos do LSD foram publicadas nos Proceedings of the National Academy of Sciences, junto aos dados de uma longa série de experimentos sobre os efeitos neurológicos dessa substância.
Esses estudos, feitos por uma equipe de cientistas do Imperial College de Londres estão revelando particularidades muito interessantes não apenas do poder alucinógeno do ácido lisérgico, mas também sobre o funcionamento da nossa consciência: em particular, sobre como o “sentido de si mesmo” toma forma – e às vezes se dissolva – no cérebro.
A equipe – que foi chefiada por David Nutt, neuropsicofarmacologista bem conhecido por suas pesquisas com a psilocibina, uma substância presente nos cogumelos alucinógenos – contou com 20 voluntários-cobaias. A 10 deles, no giro de 2 dias, foram proporcionadas doses de 75 microgramas de LSD; aos outros dez, foram dadas pílulas de placebo.
Para aproveitar ao máximo os efeitos da substância no cérebro, que duram em média cerca de 8 horas, os sujeitos foram submetidos a numerosos controles científicos, dentre os quais técnicas de imaging cerebral as quais forneceram um quadro completo da atividade neural durante o período de efeito da droga. Cinco pessoas se moveram um pouco e por essa razão os seus resultados não são perfeitamente “limpos”. Mas em relação às outras 15 pessoas, os dados são muito sólidos.
Migalhas de si mesmo
As imagens de ressonância magnética mostraram que o LSD faz com que a atividade cerebral seja menos coordenada nas regiões que contribuem para a assim chamada “modalidade de default” (a atividade de fundo que entra em ação quando o cérebro está em “repouso”, ou seja, durante as situações de ócio). Os network neurais que normalmente se ativam de forma uníssona nessa modalidade, sob os efeitos do LSD perderam a sua sincronização. Ao mesmo tempo, os voluntários declararam sentir um sentimento de “dissolução do ego”, a perda da sensação de ser uma entidade única separada do mundo externo.
Um outro exame de imaging que mede a atividade eletromagnética do encéfalo, a magnetoencefalografia (MEG), mostrou um efeito típico dessa condição de desagregação do ego, ou seja, a diminuição do ritmo das ondas alfa que, segundo se acredita, constituem uma “assinatura” cerebral da consciência humana.
Imagens do experimento: a linha superior de imagens mostra o cérebro sob o efeito de placebo; a linha inferior, sob o efeito do LSD.
Mas, ao mesmo tempo, o cérebro sob a ação do LSD se mostrou mais coordenado: regiões que normalmente trabalham de modo separado improvisamente estabeleceram comunicação entre si. Por exemplo, o córtex visual ampliou a sua atividade de “diálogo” com outras áreas cerebrais, o que poderia explicar os efeitos alucinatórios da substância administrada.
Estudos futuros como este (que, obviamente, implicam também em questões éticas), indagarão como o LSD influencie a criatividade e imite o estado de “sonho”. O objetivo de tais estudos é, por um lado, explorar novas possibilidades terapêuticas para quem sofre de alguma forma de dependência. Por outro lado, utilizar esse modelo para indagar a respeito de estados de consciência normalmente difíceis de induzir a partir de comandos voluntários.