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Pelo amor às aves. O apelo de um jovem ambientalista africano



Da gloriosa galinha-de-angola-com-crista ao adúltero jaçanã-africano e aos abutres, capazes de limpar uma carcaça de zebra em 30 minutos, Washington Wachira quer que todos nós possamos conhecer as maravilhosas espécies de aves com as quais dividimos o nosso planeta. Se você ainda não é um fã dos “emplumados” da Terra, ou se ainda não se preocupa com a preservação deles, você vai ficar, depois de assistir a esta palestra encantadora.

 

Vídeo: TED – Ideas Worth Spreading

Conferência de: Washington Wachira – Ecologista especializado na vida selvagem, fotógrafo da natureza e guia de safáris

Tradução: Leonardo Silva. Revisão: Maricene Crus

 

Observador de pássaros, Washington Wachira era ainda muito jovem quando iniciou sua carreira ma organização Youth Conservation Awareness Programme, cujo objetivo é formar jovens entusiasmados ambientalistas para trabalhar no Quênia.

 

Vídeo:

Tradução integral da palestra “Pelo amor às aves”, de Washington Wachira:

 

 

Tradução integral da palestra de Washington Wachira:

Trouxe algo lindo comigo hoje. Esta é uma pluma de uma das aves mais lindas do Quênia, a galinha-de-angola-com-crista. Mas essa pena é mais do que isso. Se parar para olhar as penas ao seu redor, quando estiver ao ar livre, você vai notar uma enorme variedade de tamanhos, formas e até cores. A pena é uma das tecnologias mais impressionantes já inventadas pela natureza e, durante séculos, a pena ajudou as aves a permanecerem secas, a se manterem aquecidas e até a voar. Apenas uma parte da árvore da vida pode produzir penas. De todos os animais do mundo, as aves são as únicas capazes de produzir algo parecido com isto aqui. Eu particularmente dei um nome a elas: gosto de chamá-las de produtoras de penas. A pena é a maior diferença entre as aves e os demais animais da Terra e, se você não consegue produzir uma pena, não pode se considerar uma ave.

Para nós, humanos, que somos animais terrestres, as aves representam liberdade. A pena permitiu que as aves vencessem a gravidade e voassem de forma extraordinária. Você às vezes não gostaria de voar como um pássaro?

O ambientalista queniano Washington Wachira

As aves são para mim uma paixão, e quero mudar a forma como cada um de vocês pensa sobre elas. A razão mais óbvia pela qual gosto tanto delas é sua beleza. Há 10 mil espécies no mundo, e cada uma delas tem uma beleza única. As aves são incríveis, e esta palestra é dedicada a todas as aves do mundo.

As aves na verdade fazem parte da nossa vida e cultura há séculos, no mundo inteiro, e cada comunidade humana tem uma história pra contar sobre elas. Você provavelmente já ouviu histórias infantis sobre aves e sobre como elas convivem com o homem. Recentemente aprendi que nossos ancestrais seguiam bandos de abutres que os ajudavam a identificar onde havia carcaças deixadas para trás por grandes carnívoros, e esses humanos recolhiam e comiam parte dessa carne. As aves já foram usadas como marca e símbolo no mundo inteiro. Lembra da águia-de-cabeça-branca? Ela foi escolhida como símbolo dos EUA por causa de sua força majestosa, de sua beleza e de sua longevidade. Assim como nós, humanos, que conseguimos sobreviver em praticamente todos os habitats da Terra, as aves também conquistaram o mundo. Desde aves como esses lindos pinguins, que vivem em calotas polares, a outras aves como as cotovias, que vivem nos desertos mais quentes que você possa imaginar. Essas espécies realmente conquistaram o mundo.

As aves também constroem casas como nós. Os verdadeiros profissionais nesse aspecto são um grupo de pássaros chamados tecelões. Ganharam esse nome por causa da forma como “tecem” seus ninhos.

Uma informação interessante: as aves também amam e namoram, como os humanos. Na verdade, veja só, os machos se arrumam pra impressionar as fêmeas, Vou mostrar. Aqui temos uma viúva-rabilonga, e é assim que são normalmente. Quando chega a época de acasalamento, tudo muda, e veja só o macho.

Viu só? As aves, diversas espécies de aves, também adoram o toque e o carinho, como os humanos. Sei que você está imaginando… Sim, elas também se beijam, às vezes apaixonadamente.

Em alguns casos, até aprenderam a trair seus parceiros. Por exemplo, a jaçanã-africana: as fêmeas acasalam com vários machos e voam procurando novos machos para acasalar, deixando sempre o macho tomando conta dos filhotes.

As aves nos ajudam muito e têm papel fundamental no ecossistema todos os dias. Os abutres limpam o ambiente, literalmente digerindo patógenos, e devoram carcaças que nos custariam muito dinheiro para tirarmos do ambiente. Um bando razoável de abutres consegue devorar uma carcaça do tamanho de uma zebra, deixando apenas os ossos, em apenas cerca de 30 minutos. As corujas ajudam a livrar o ambiente de roedores e isso nos ajuda muito, pois nos poupa dinheiro, não perdemos plantações, e, além disso, não precisamos comprar produtos químicos para controlar esses roedores. Os belos pássaros da família Nectariniidae que vemos em nosso ambiente fazem parte da equipe de polinização da natureza, ajudando vegetais a darem frutos. Junto com outros polinizadores, como os insetos, eles na verdade nos ajudaram a termos a maior parte das plantações de alimentos das quais dependemos há anos.

Infelizmente, a história das aves está longe de ser perfeita. Elas enfrentam diversos desafios todos os dias onde quer que vivam. As maiores ameaças às aves são a perda do habitat e a redução da disponibilidade de alimento. As aves também são caçadas, especialmente as espécies migratórias, assim como patos que se reúnem em lagoas e poças d’água. Bandos que preferem andar juntos vêm sendo envenenados, principalmente em locais como plantações de arroz. Além disso, fios de alta tensão têm eletrocutado pássaros e usinas eólicas os têm fatiado quando voam por entre as hélices. Recentemente, vimos a questão da mudança climática render muitas manchetes, e ela também afeta as aves porque as aves são forçadas a abandonar bons locais pra comer e acasalar por infelizmente não serem mais habitáveis.

Minha própria visão a respeito das aves mudou quando ainda era jovem, no ensino médio, e vi um rapaz, por acidente, ferir a asa e a pata de uma ave da espécie Buteo augur. Eu estava lá, parado, apenas um menino de 14 anos, e imaginei um ser humano na mesma situação da ave, porque ela precisava de ajuda. Mesmo ainda não sendo exatamente um biólogo na época, me juntei a três amigos meus e decidimos abrigar a ave até que recuperasse sua força e pudéssemos libertá-la. Ela aceitou se alimentar da carne da cozinha da nossa escola, e caçamos cupins por todo o complexo para dar a ela como jantar todos os dias. Após alguns dias, ela havia recuperado sua força e nós a soltamos. Ficamos muito felizes por vê-la bater as asas e voar para longe, de forma graciosa. Aquela experiência mudou nossa visão a respeito das aves. Acabamos depois criando uma revista, que chamamos de “Hawk Magazine”, em homenagem à ave que havíamos ajudado em nossa escola.

Aquelas experiências no ensino médio me tornaram o conservacionista que sou. Ter paixão pelas aves deveria ser especialmente importante para a África e para todos os africanos porque, de todos os continentes, a África abriga algumas das espécies de aves mais incríveis existentes no mundo. Imagine ser chamado de “bico-de-sapato”. Esse é o nome dessa ave. Alguns países como a República Democrática do Congo, a Tanzânia, Uganda e Quênia são campeões no que se refere à diversidade das espécies de aves. Essas aves continuam oferecendo alguns serviços ecossistêmicos cruciais para a África. Além disso, existe um enorme potencial para que a África seja líder mundial em turismo de observação de aves. A economia com certeza vai ganhar com isso. Imagine quantas comunidades se beneficiarão com grupos de turistas visitando seus vilarejos só para ver as aves endêmicas, aves só existentes nesses locais.

Como podemos ajudar as aves juntos? Agora todos vocês têm a chance de transformar sua paixão pelas aves na contribuição para sua sobrevivência, e vocês podem fazer isso se tornando cientistas cidadãos. A ciência cidadã é uma tendência crescente no mundo todo, e temos visto cenários em que as pessoas compartilham informação com o restante da comunidade, sobre o tráfego das aves, sinais de alerta e por aí vai. Foi exatamente o que percebemos como observadores de aves, e pensamos que, como existem aves em toda parte, se conseguíssemos que todos vocês e todos na África nos informassem sobre as aves que encontram onde moram, onde estudam ou onde trabalham, conseguiríamos criar um mapa de cada espécie, a partir do qual os cientistas poderiam, na verdade, direcionar melhor seus esforços de conservação aos habitats mais importantes.

Veja por exemplo esses dois projetos, o “Africa Raptor DataBank”, que mapeia todas as aves de rapina no continente africano, e o “Kenya Bird Map”, que mapeia cerca de 1,1 mil espécies endêmicas do meu país, o Quênia. Esses dois projetos agora possuem bases de dados on-line que permitem que as pessoas enviem dados que são convertidos em sites interativos que o público pode utilizar para tomar decisões.

Mas, quando começamos, encontramos um grande desafio. Recebemos muitas reclamações de observadores, que diziam: “Estou num vilarejo, sem acesso a um computador. Como dizer a vocês que aves vivem em minha casa, onde estudo ou onde trabalho?” Fomos forçados a renovar nossa estratégia e criar uma solução sustentável. Foi fácil: percebemos imediatamente que os celulares estavam se tornando cada vez mais comuns na África e que a maioria das regiões permitia o acesso a um aparelho. Então, criamos aplicativos de celular disponíveis para iPhone e Android, gratuitamente, para qualquer observador de aves que se interessasse. Então, criamos o BirdLasser, usado pelo Kenya Bird Map, e também temos o African Raptor Observations, que agora é usado pelo African Raptor DataBank. Essa foi uma grande descoberta em nosso trabalho e nos possibilitou obter enormes quantidades de dados de cada passarinheiro por aí. Assim, percebemos que a ciência cidadã é realmente muito poderosa, porque ela é adaptável. E na verdade conseguimos convencer muitos observadores de aves a começarem a compartilhar novas informações conosco.

Quando começamos, não sabíamos que as aves podiam ser uma enorme oportunidade de atuarmos na conservação de outros animais. O interessante é que agora, no “Virtual Museum for Africa”, temos mapas de libélulas e donzelinhas, borboletas e mariposas, répteis, sapos, orquídeas, aranhas, escorpiões e, sim, estamos mapeando inclusive cogumelos. Quem imaginaria mapear cogumelos? Então, isso nos mostrou que realmente criamos uma comunidade que se importa com a natureza na África.

Peço a todos vocês que se juntem a mim na divulgação do valor que as aves têm em suas comunidades. Por favor, falem com seus amigos sobre as aves, porque sempre tendemos a amar e cuidar daquilo que conhecemos bem. Por favor passem alguns minutos do seu tempo livre quando estiverem no trabalho, na escola, ou quem sabe em casa, e pelo menos olhem em volta e vejam os lindos pássaros presentes no local. Juntem-se a nós na ciência cidadã e nos informem sobre as aves que vocês encontrarem nos locais que visitarem. Melhor ainda, vocês podem comprar um binóculo para os seus filhos ou irmãos, ou um livro sobre aves, e deixá-los apreciarem a beleza dessas aves, porque, um dia, talvez eles decidam cuidar daquelas aves que eles conhecem e amam.

As crianças são de fato o nosso futuro. Por favor, vamos ensiná-las a amar os produtores de penas, porque amar as aves pode ser um enorme passo para a valorização de toda a natureza.

Muito obrigado.