Ansiedade, depressão e outros distúrbios do comportamento, agora encabeçam a lista das moléstias mais frequentes entre os que têm menos de 15 anos. O fenômeno é mundial e preocupante
Por: Anne Prigent – Le Figaro Santé
Nos últimos anos, os distúrbios emocionais, psicológicos e mentais superaram todos os outros e agora estão em primeiro lugar na lista dos males que acometem os jovens no mundo moderno. Para comprovar essa conclusão, o professor Bruno Falissard, pedopsiquiatra do Centro de Pesquisa Epidemiológica e Saúde das populações, na França, fez um estudo comparativo usando dados da organização Mundial da Saúde (OMS). Esse estudo avalia o número de anos de boa saúde perdidos devido à ocorrência de uma patologia, entre 2000 e 2015.
“Globalmente, em termos de saúde física, os jovens entre 5 e 15 anos estão cada vez melhor. Mas essa melhora é bem menos evidente no que diz respeito a saúde mental. Na verdade, a parte relativa aos distúrbios mentais aumenta”, explica Falissard, “particularmente nos países ocidentais”. O estudo desse especialista acaba de publicado na revista Child and Adolescent Psychiatry and Mental Health. Ele também classifica cada distúrbio mental em função do sofrimento experimentado pela criança. Resultado: os problemas de comportamento, os distúrbios de ansiedade e de depressão maior be como a síndrome de autismo Asperger encabeçam a lista das doenças mais frequentes na atualidade entre os jovens de todo o mundo. Um dado surpreendente revelado pelo estudo: em vinte anos, as auto-mutilações praticadas pelos jovens aumentaram cerca de 300%.
“Todas essas descobertas nos mostram que os distúrbios de comportamento representam hoje uma parte muito importante das causas de sofrimento da criança. Ora, essas crianças impulsivas, que não conseguem se controlar, sofrem com frequência uma dupla penalização. Eles estão mal, mas quase sempre são vistos como crianças mal-educadas e não como crianças em estado de sofrimento”, diz Falissard.
Os pacientes são cada vez mais jovens
É preciso dizer que, de modo geral, é difícil para os adultos imaginar que uma criança possa sofrer psiquicamente. Mas a verdade é que a infância não é uma idade feliz para todas as pessoas. “Há 25 anos, a depressão dizia respeito quase exclusivamente aos adolescentes. Agora, com muito mais frequência, ela se manifesta em crianças com menos de dez anos. Há alguns anos, para que uma criança apresentasse um quadro de depressão, havia necessidade de uma série de acontecimentos desencadeadores. Este não é mais o caso nos dias que correm”, explica a professora Marie-Rose Moro, chefe operacional na instituição para adolescentes Cochin, em Paris. E as ações suicidas entre jovens com menos de 11 anos de idade são cada vez mais numerosas.
Outros distúrbios, durante muito tempo considerados aflições exclusivas de adolescentes, atingem agora populações a cada dia mais jovens. É o caso, por exemplo, da anorexia mental. Essa patologia, que antes atingia sobretudo as garotas das classes mais abastadas após a puberdade, concerne cada vez mais garotas que ainda não chegaram à puberdade, e também muitos jovens rapazes, provindos ambos de todos os meios sociais.
Um sentimento generalizado de mal-estar
Para o professor Xavier Pommereau, responsável do polo adolescente do Centro Hospitalar Universitária de Bordéus, os transtornos de comportamento alimentar tornaram-se um verdadeira tema de preocupação. “Ao lado de distúrbios clássicos como a anorexia mental e a bulimia nervosa, vemos agora surgir novas disfunções”, explica o especialista. Entre elas, as questões do excesso de peso e da obesidade mórbida, ligadas a um voltar-se para si mesmo e ao vício dos jogos eletrônicos no caso dos rapazes, e uma bulimia com vômitos que se manifesta sobretudo nas moças jovens. “Algumas chegam a se autoprovocar vômitos de 3 a 4 vezes por dia, num processo que acarreta riscos reais para a sua saúde”, adverte Xavier Pommereau.
Um outro fenômeno ainda chama a atenção e preocupa os pedopsiquiatras: a explosão do número de automutilações. Nos últimos vinte anos, essa prática aumentou mais de 300% entre os jovens. “Um estudo que conduzi junto a 2 mil adolescentes de 15 anos nas regiões da Alsace e Poitou-Charentes mostra que 33% deles se automutilaram pelo menos uma vez.”, afirma o professor Ludovic Gicquel, chefe do polo de psiquiatria da criança e do adolescente do Centro Hospitalar Universitário de Poitiers.
Embora a pedopsiquiatria, hoje, estar democratizada e estar ao alcance de todos na França, certas famílias ainda hesitam em recorrer a esses profissionais por medo do estigma que ainda recobre os distúrbios psiquiátricos em pessoas jovens.
Muitos episódios de automutilação podem ser cada vez mais observados também entre moças muito jovens. Elas raramente estão relacionadas a experiências traumáticas vividas no passado pela paciente. Bem mais que isso, “tais automutilações traduzem um sentimento de mal-estar generalizado. Elas agridem seus próprios corpos por não se sentirem suficientemente reconhecidas e levadas em consideração. Seu único objetivo na vida é ganhar muito dinheiro e se tornarem célebres. Tratam-se de jovens destituídas de um projeto de vida, desinteressadas em qualquer tipo de engajamento”, analisa o professor Xavier Pommerau.
Todos esses distúrbios, enfim, traduzem o sentimento de mal-estar que domina um grande número de pessoas jovens. Cerca de 10 a 15% deles se encaixam hoje nesse modelo de crianças e adolescentes que passam por seguidos momentos difíceis. Marie-Rose Moro conta que “Os pacientes chegam nos consultórios em média quatro anos após o aparecimento dos primeiros sintomas”. Ora, da mesma forma que para um grande número de patologias, mais tarda o diagnóstico e a tomada de medidas terapêuticas, mais a moléstia será difícil de ser tratada.