A Arábia Saudita possui um dos regimes mais restritivos do mundo em relação aos direitos das mulheres. Elas ainda são consideradas cidadãs de segunda classe em seu próprio país. Há poucos dias, um decreto real afrouxou algumas dessas restrições. Mas o caminho da paridade de direitos com os homens ainda é muito longo no reino da Arábia.
Por: Luis Pellegrini
Sob o regime de tutela restritiva do reino da Arábia Saudita, todas as mulheres são legalmente consideradas menores de idade e não podem se casar, divorciar-se, viajar, conseguir um emprego, ser libertadas da prisão ou fazer cirurgias eletivas sem a permissão de seus guardiães do sexo masculino. Muitas vezes o guardião masculino de uma mulher é seu pai ou marido e, em alguns casos, o seu próprio filho. Alguns afrouxamentos dessas leis repressivas acabam de ser anunciados no país, mas a maioria dos elementos do sistema de tutela permanece em vigor.
As mulheres sauditas ainda precisam da permissão de um guardião masculino para se casar ou divorciar, abrir um negócio ou, às vezes, até mesmo consultar um médico ou ter acesso aos serviços de saúde pública. Essas leis também exigem permissão de um parente do sexo masculino para que a mulher possa viver por conta própria, bem como deixar a prisão se tiver sido detida, ou sair de um abrigo doméstico contra abusos. Ao contrário dos homens, as mulheres ainda não podem passar a cidadania para seus filhos, nem podem fornecer consentimento para seus filhos se casarem.
Novos direitos são adquiridos
O novo decreto real recém assinado confere às mulheres, a partir de agora, o direito de registrar nascimentos, casamentos e divórcios, obter documentos oficiais da família e serem guardiães de menores.
Apesar disso, essas reformas dos direitos das mulheres ainda parecem muito estreitas em face da situação observada na maioria dos países do mundo, inclusive em alguns países árabes islâmicos. Na Arábia Saudita, as mulheres ainda permanecem “cidadãs de segunda classe”.
Embora consideradas tímidas, as atuais reformas são positivas e animam as ativistas sauditas que atuam em prol dos direitos das mulheres em seu país. Uma delas, Loujain al’Hathlul, ao enfrentar e contestar publicamente as restrições, conseguiu derrubar a proibição até então vigente para que as mulheres tenham o direito de dirigir carros e outros veículos. Mas ela mesma e várias outras ativistas sauditas enfrentam processos judiciais por sua ousadia, enquanto organizações para os direitos das mulheres denunciam que algumas dessas mulheres foram torturadas em novembro último com choques elétricos e chibatadas, além de terem sofrido assédio e violência sexual enquanto estavam detidas.
O aborto permanece ilegal no país (e em praticamente todo o Oriente Médio) a não ser que a mãe corra sério risco de vida, e as relações sexuais fora do casamento são criminalizadas.
Na última sexta-feira, a Arábia Saudita fez mais algumas concessões e passou a permitir às mulheres viajarem sem permissão de nenhum familiar do gênero masculino.
O que podem e não podem fazer as sauditas? Quais são os maiores obstáculos à liberdade destas mulheres? A Agência Reuters fez uma lista:
Vida Familiar
As mulheres ainda precisam da autorização de um familiar do sexo masculino para se casar ou viver sozinhas.
Aquelas que desobedecerem ao seu guardião podem ser presas.
As mulheres que casam com um estrangeiro não podem transmitir a sua cidadania aos seus filhos.
Na sexta-feira, além de conceder a mulheres acima de 21 anos o direito de obter um passaporte e viajar para o exterior, a Arábia Saudita também permitiu que mulheres registassem nascimentos, casamentos ou divórcio.
As mulheres também podem agora solicitar e receber documentos oficiais da família e tornarem-se guardiãs dos seus filhos.
Saúde e Educação
Desde 2017, as mulheres não precisam do consentimento de um tutor homem para aceder a serviços como educação e saúde, mas as organizações de direitos das mulheres dizem que isso é implementado apenas de forma ad hoc (para fins específicos).
Muitos aspectos do sistema de tutela não são codificados em lei, mas decorrem da prática informal.
Valor legal
As mulheres não podem entrar com uma ação legal por conta própria, o que, segundo os ativistas, dificulta sua capacidade de denunciar casos de violência doméstica.
Podem testemunhar em tribunal mas, em alguns casos, o seu testemunho é considerado ter apenas metade do valor que o de um homem.
O reino já não prevê que uma mulher leve um parente do sexo masculino para identificar os alegados agressores em tribunal.
As mulheres que forem detidas ou levadas para um abrigo administrado pelo governo, não podem sair sem a aprovação do seu tutor.
Direitos trabalhistas
Todos os cidadãos sauditas têm o direito de trabalhar sem enfrentar qualquer discriminação com base no gênero, deficiência física ou idade.
As autoridades já tinham retirado as restrições ao trabalho das mulheres do Código Trabalhista e acabaram com as exigências formais para que obtivessem a permissão de um tutor para trabalhar, mas alguns empregadores ainda exigem isso e não são penalizados.
O consentimento masculino continua a ser necessário para abrir uma conta bancária ou solicitar crédito.
Conduzir veículos
Desde 2017 as mulheres sauditas podem conduzir veículos. No entanto, os ativistas dizem que elas ainda enfrentam obstáculos para conseguirem uma licença, já que as autoescolas para mulheres são poucas e caras.
Habitação
As mulheres podem comprar ou arrendar propriedades, mas pode ser difícil para uma mulher solteira conseguir fazê-lo sem um tutor do sexo oposto.
Vestimentas
As mulheres são obrigadas a vestir-se com modéstia, mas não há um código específico e varia conforme a regiões ou a situação. Na prática, espera-se que a maioria das mulheres use o longo e escuro manto chamado abaya e um lenço de cabeça.
A forma de vestir é monitorada pela polícia religiosa e as mulheres podem ser detidas por usarem roupas consideradas indecentes. Esses requisitos não se aplicam às mulheres estrangeiras.
Ativismo humanitário
O relaxamento das normas e regras sociais foi acompanhado por uma repressão às divergências, incluindo a prisão e a suposta tortura de algumas ativistas que fizeram campanha por décadas para melhorar os direitos das mulheres, segundo grupos de direitos humanos.
Atividades esportivas
Os religiosos conservadores dizem repetidamente que as mulheres que fazem exercício físico são atrevidas, mesmo quando não estão em público ou são vistas por homens.