Aos 81 anos de idade, a atriz e ativista Jane Fonda se arrisca pelo planeta, literalmente. Em uma entrevista com a curadora do TEDWomen, Pat Mitchell, Fonda fala sobre ter sido presa várias vezes durante o “Fire Drill Fridays”, os protestos pelo clima que ela lidera todas as semanas em Washington DC, e discute como a desobediência civil está se popularizando na era da mudança climática.
Vídeo: TED Ideas Worth Spreading
Tradução: Simone Gumier. Revisão: Maricene Crus
Jane Fonda tem desenvolvido quatro carreiras extraordinárias: atriz, vencedora do Prêmio Oscar; escritora; instrutora e estudiosa de fitness; passional ativista política e ambiental, entre outras.
A carreira de Jane Fonda se estende por mais de 50 anos, acumulando um corpo de trabalho cinematográfico que inclui mais de 45 filmes e um trabalho crucial em prol de causas políticas, como direitos das mulheres, nativos americanos e meio ambiente. Suas performances notáveis ??na tela e no palco conquistaram seus dois Oscar de Melhor Atriz, um Emmy, uma indicação ao Tony Award e uma Palma de Ouro honorária no Festival de Cannes. Ela continua sua carreira estrelando a série de sucesso Grace & Frankie, que retornará para sua sexta temporada em janeiro de 2020. Ela também estreou Jane Fonda em Five Acts, um documentário para a HBO que narra sua vida e ativismo, no Sundance Film Festival de 2018 .
Fonda comemorou seu 80º aniversário levantando um milhão de dólares para cada uma de suas organizações sem fins lucrativos, Georgia Campaign for Adolescent Power & Potential e The Women’s Media Center. Atualmente, ela está morando em Washington DC, onde lidera a acusação nas sextas-feiras de brocas de incêndio, um movimento para protestar contra a inação do governo sobre as mudanças climáticas. Ela escreveu um livro de memórias mais vendido, My Life So Far e Prime Time, um guia abrangente para viver a vida ao máximo.
Vídeo:
Tradução integral da palestra de Jane Fonda:
Pat Mitchell: Que bom te ver, minha amiga! Jane Fonda: Oi, Pat.
Jane Fonda: É ótimo estar com vocês.
PM: Jane, para quem talvez não tenha visto a extraordinária cobertura pelo mundo do “Fire Drill Fridays”, e o impacto que o movimento tem causado, fale pra gente sobre a origem dessa ideia, dessa resposta específica à crise climática.
JF: Fui muito inspirada pela Greta Thunberg, a estudante sueca, e pelas mobilizações de jovens estudantes pelo clima. Greta diz que devemos sair de nossa zona de conforto. Temos que nos comportar como se nossa casa estivesse queimando, porque ela está. Então, ela realmente me comoveu. E pelo fato de saber que praticamente 100% dos cientistas climáticos concordam que estamos diante de uma real emergência climática, causada pela ação do homem. Mas eles disseram que podemos fazer algo a respeito. Temos o tempo, a tecnologia, as ferramentas. Temos tudo o que precisamos, menos a vontade política para enfrentar o desafio, que é enorme. Os cientistas dizem que nos restam 11 anos e, para muitos, uma década, e pensei: “Tenho tanta sorte de ser saudável e de viver em uma década na qual as pessoas podem realmente fazer a diferença. Nós podemos fazer a diferença sobre se haverá um futuro habitável. Que responsabilidade gloriosa temos! Temos que assumir a responsabilidade”.
E quando somos famosos, há muitas coisas que podemos fazer, temos uma maior visibilidade. Então, assim como a Greta, decidi que eu me arriscaria e me mudaria para o centro do poder dos EUA, para Washington DC, e que faria um protesto toda sexta-feira, assim como os estudantes. E agimos com os estudantes: eles discursam nos meus protestos, e eu discurso nos deles. E depois que discursamos, praticamos a desobediência civil, correndo o risco de sermos presos. A desobediência civil é uma ferramenta poderosa que já mudou os rumos da história muitas vezes, como nos Estados Unidos dos anos 1960, durante o Movimento pelos Direitos Civis, e obviamente na Índia, com Mahatma Gandhi. No início, eu não sabia se daria certo, mas fico muito feliz de ver o que está acontecendo.
PM: Também fez com que você fosse presa muitas vezes, na verdade, e passasse ao menos uma ou duas noites nas prisões de Washington DC. E embora todos nós reconheçamos a emergência e as ações que você tão gentilmente mencionou que os outros têm realizado, não tenho certeza de que arriscaríamos nossa vida e carreira, que abriríamos mão da vida, como você tem feito. Você tem alguma preocupação em relação a isso neste momento?
JF: Bem, sei que nem todos podem deixar o trabalho para fazer o que estou fazendo. Mas devo dizer que tenho recebido muitos pedidos, não somente dos Estados Unidos, mas de outros países, de pessoas que querem começar o Fire Drill Fridays. E das pessoas que têm vindo, que têm sido presas comigo e praticado a desobediência civil, muitas delas nunca tinham feito isso antes e descobrem que isso é transformador. Mas a verdade é que há tantas coisas que as pessoas podem fazer, começando por falarem sobre isso, por expressarem como se sentem e conversarem sobre isso, mesmo quando não seja apropriado, como à mesa do jantar do feriado, e talvez o tio Bob não concorde, porque está preocupado com os netos ou talvez ele adore pássaros. Sempre há um modo de fazer com que as pessoas se preocupem com a crise climática. É claro que o voto é importantíssimo, e temos que votar em candidatos mais corajosos e mais ousados, porque a tarefa que temos à frente, em todo o mundo, mas certamente aqui, nos EUA, é nos livrar do atual governo e eleger pessoas que sejam realmente destemidas, que vão se engajar e que terão a coragem necessária, como Franklin Delano Roosevelt teve durante a Grande Depressão dos anos 1930, quando ele transformou consideravelmente a sociedade norte-americana. E é disso que precisamos agora.
PM: Jane, é melhor explicarmos porque muitas pessoas aqui estão pensando no que elas podem fazer. Elas podem vir a Washington e se juntar a você nesta ação? É bom explicarmos que nem todos que participam do Fire Drill Fridays estão sob ameaça ou são presos. Há outras atividades que você realiza, como a sua atuação nos escritórios do Greenpeace, em Washington. Então, explique o que mais faz parte do Fire Drill Fridays, e como podemos participar da desobediência civil sem corrermos o risco de sermos presos.
JF: Antes de tudo, não tentem fazer nada sozinhos. Tem que ser uma combinação de nossos poderes. A força está na união. Também há comunidade na união, e uma das coisas mais difíceis que estamos enfrentando agora é que se trata de uma crise coletiva, que surge em uma época em que toda a ideia da coletividade, do povo, da esfera pública está sendo deliberadamente minada pelo neoliberalismo e pelo conservadorismo. E a união com grupos de pessoas semelhantes em uma ação comum é um consolo para a alma. Isso nos dá força, é um grande antídoto contra a depressão. Então, descubram organizações na sua localidade que se preocupam com a crise climática. É claro que o Greenpeace tem escritórios espalhados pelo mundo. E mesmo que vocês comecem sozinhos, façam reuniões em casa, convidem as pessoas para falarem sobre o que está acontecendo. Encontrem um artigo que vocês possam ler e discutir juntos. É claro que se houver uma ação pelo clima no lugar em que moram, tentem fazer parte dela. Não é necessário praticar a desobediência civil e correr o risco de ser preso, mas acho que isso vai se tornar muito comum. Acho que vai ser como acontece aqui, com o Fire Drill Fridays. Parece que as pessoas querem voltar e fazer de novo. Meus netos foram presos na semana passada; foi uma experiência transformadora.
Meu colega, o ator Sam Waterston, que se descreve como centrista, nunca tinha discursado em um protesto ou se arriscado a ser preso, e ele foi preso comigo. Na semana passada, vi que ele foi preso no jogo Harvard x Yale. Ele me enviou uma foto dele algemado, dizendo: “Olha só o que você começou!”
Pessoal, acho que chegamos a um ponto nessa crise em que as pessoas estão pensando em dar o próximo passo. Elas querem se arriscar, como Greta Thunberg tem nos incitado a fazer. E elas acham que é muito gratificante e querem voltar. Então, acho que estamos fazendo algo bom. Eu me reuni com a força-tarefa do Senado norte-americano sobre a crise climática há algumas semanas e perguntei aos senadores: “Há algo mais que deveríamos estar fazendo? E o senador Ed Markey me respondeu: “Você está construindo um exército, é disso que precisamos. Aumente esse exército! Precisamos de pressão de fora”. E acho que tem que ser assim no mundo todo. As pessoas precisam reunir exércitos pelo clima, pelo meio ambiente, nas ruas, e destituir governos se for necessário. Estou pensando no Brasil agora. Não podemos permitir que nossas preciosas florestas tropicais sejam queimadas.
PM: Jane, como você fez tantas vezes no passado, está liderando essas mudanças. Por fim, principalmente os fãs de “Grace e Frankie” presumem que você retomará sua vida e a série de televisão. Mas o Fire Drill Fridays continuará?
JF: Bem, há muito interesse no país inteiro, como eu tinha dito, as pessoas perguntam se podem começar o movimento. E tenho muitos amigos famosos que, por razões de trabalho, não podem vir a Washington DC, por isso estamos pensando em talvez realizá-lo em Los Angeles. Mas quero apenas corrigir uma coisa: não sou líder do movimento; os líderes são os jovens, os estudantes. São sempre os jovens que se engajam com coragem, e isso é fantástico, pois eles se arriscam muito. É muito corajoso não ir à escola na sexta-feira. Talvez tirem notas baixas e os professores fiquem bravos. Mas, seja como for, estão se mobilizando. Milhares de estudantes têm se reunido ao mesmo tempo, no mundo todo. E eles dizem: “Não nos deixem enfrentando isso sozinhos. Não criamos esse problema, venham nos ajudar”. Então, vovós, unam-se!
PM: E você está em uma cidade que provavelmente está mais dividida do que já esteve em muito tempo. A divisão que existe aí, e em muitos outros lugares no mundo, tem impedido que nossa força coletiva seja unificada e colocada em ação e, desse modo, você tem nos liderado. Para você, o que seria o sucesso do Fire Drill Fridays?
JF: Bem, posso apenas falar como uma cidadã norte-americana. Teríamos sucesso se nenhum dos estados permitisse novas explorações de combustíveis fósseis, pois se as perfurações, o “faturamento” hidráulico e a mineração continuarem, o problema aumentará. E mesmo que usemos geradores eólicos, painéis solares e assim por diante, nunca conseguiremos nos equiparar. Temos que parar todas as novas explorações. Outra coisa necessária seria a eliminação gradual das emissões de combustíveis fósseis, assegurando que os trabalhadores que fossem impactados seriam requalificados, com o apoio dos sindicatos, e que conseguissem bons e novos empregos. Haverá tantos empregos bons com o Novo Acordo Verde: na produção de geradores eólicos e de painéis solares, na adaptação de todas as casas deste país, na criação de uma nova rede elétrica, por exemplo. Há dezenas de milhões de empregos esperando para serem criados, e isso é outra coisa que fez com que eu me mobilizasse.
Um Novo Acordo Verde é uma referência para vivermos de modo sustentável e justo no futuro. Isso nos dá muita esperança, porque se agirmos corretamente, será vantajoso para todos. E tem que ser assim ou não funcionará, porque para fazer com que dê certo, todo mundo vai ter que se envolver. E para que todos se envolvam, as pessoas têm que se identificar com algo, é isso o que um Novo Acordo Verde faz.
PM: Jane, como sempre você … tem feito tantas vezes em sua vida, tem se arriscado e se mantido nas linhas de frente. Você deixa esta experiência com algum novo aprendizado ou um novo nível de comprometimento, de esperança ou de otimismo?
JF: Sim, sou otimista. As pessoas deste país realmente temem a crise climática, e querem fazer algo, mas ninguém lhes tinha perguntado. Temos apenas que perguntar a elas. Sabem, temos que nos organizar. E podemos fazer isso. Então, tenho muita esperança. Devo dizer que vou voltar a trabalhar em Grace e Frankie, mas parte do meu coração vai estar com o Fire Drill Fridays, e espero poder continuar com o movimento. Apenas acho que temos que construir um exército. O próximo ano será crucial. O que acontecer será muito importante. Então, temos que ter certeza, sobretudo quando se é saudável, se sente relativamente jovem e tem visibilidade, temos que usar isso de todas as maneiras possíveis. E se não tivesse isso tudo, então eu encontraria outras pequenas maneiras de agir: conversaria com os meus vizinhos, os meus amigos, a minha família faria parte de uma organização. Como eu tinha dito, a maneira de combater a depressão é fazer algo ativo.
PM: Jane, aos 81 anos de idade você é, sem dúvida, um exemplo, e acho que acabamos de recrutar um novo exército.
JF: Muito obrigada, minha amiga.
PM: Cuide-se.
JF: Obrigada, Pat.
PM: Obrigada pelo que tem feito pelo planeta e por tudo mais.
PM: Vamos aplaudir a Jane.