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Síndrome do edifício doente. O perigo de se viver em gaiolas de aço e vidro

 

Surgidos a partir dos anos 1970, os arranha-céus envidraçados que enfeitam as grandes cidades são o principal foco potencial de uma temível doença de nossos tempos: a Síndrome do Edifício Doente. Ela afeta até 60% das pessoas que vivem e trabalham em construções encaixadas nesse perfil, e pode ser mortal

Por Eduardo Araia

À primeira vista, os imponentes prédios envidraçados que se espalham pelas metrópoles do mundo parecem maravilhas da tecnologia contemporânea, invulneráveis à chuva, aos ventos e a outras ameaças externas. A vida dentro desses ambientes fechados, porém, pode ser bem complicada. A pouca ventilação originária dos próprios projetos que os conceberam fabrica autênticas armadilhas para seus usuários, especialmente os idosos e os que têm distúrbios respiratórios.

Quando está nesses edifícios, parte considerável dessas pessoas – um estudo divulgado pela revista Environmental Health fala em até 60% do total – apresenta sintomas como ressecamento da mucosa nasal (com eventual sangramento), agravamento dos sintomas de rinite e/ou asma, do lacrimejar, da congestão e outros problemas nos olhos, além de dores de cabeça, náuseas, tonturas e fadiga. Mas se elas saem do prédio em questão e ficam algum tempo longe dele, já se sentem melhor. Por isso mesmo, o problema ganhou o nome de Síndrome do Edifício Doente (SED).

Exame microscópico da parte interna dos vidros de um edifício com aeração artificial com frequência revelam enormes quantidades de colônias de bactérias

Segundo Mônica Aidar Menon-Miyake, otorrinolaringologista e alergista do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, a SED é observada em pessoas que passam grande parte do seu tempo dentro de ambientes impróprios, mal ventilados e mal construídos. É frequente nelas o desencadeamento ou a piora dos sintomas de rinite alérgica e não alérgica, além da rinite ocupacional. “Isso pode ocorrer por deficiência de insolação (luz solar) e de ventilação do ambiente, bem como acúmulo de alérgenos (substâncias ou microrganismos que desencadeiam a alergia) e irritantes respiratórios, sem contar a falta de manutenção adequada dos aparelhos de ar-condicionado”, observa.

“As pessoas com a SED em geral não têm nenhuma doença que um médico possa detectar, mas seu sofrimento é inegável”, comenta Richard Lockey, diretor da Divisão de Alergia e Imunologia da Universidade do Sul da Flórida. “Em alguns casos, os sintomas são tão sérios que a pessoa não pode mais trabalhar no edifício em questão.”

Os ambientes de trabalho coletivo facilmente se transformam em arapucas bacteriológicas

A SED teve origem em meados dos anos 1970, quando a elevação brusca dos preços do petróleo provocou uma crise energética sem paralelo no mundo. A reação de arquitetos e engenheiros foi projetar e construir edifícios mais fechados, com poucas aberturas para ventilação. Com isso, manter a circulação e a refrigeração do ar exigiria um consumo menor de energia.

Simplificar a realidade, porém, sempre embute um preço, que mais cedo ou mais tarde será cobrado. A nova tendência implicava automatizar os sistemas de ar-condicionado, e a economia de custos concentrou os controles em apenas duas variáveis: temperatura e umidade relativa do ar interno. Com isso, diversos outros fatores relativos à qualidade do ar mais importantes para os usuários dos edifícios ficaram esquecidos. Com a renovação do ar interno drasticamente restringida nesses prédios, o nível dos poluentes existentes dentro deles subiu em proporções assustadoras. Entre eles estão o monóxido e o dióxido de carbono (CO e CO2), além de ácaros, fungos, algas, protozoários e bactérias, que se multiplicam rapidamente quando a limpeza de carpetes, tapetes e cortinas não é feita de forma adequada. É a ação desses poluentes sobre o organismo que caracteriza a SED.

Sem uma permanente e perfeita manutenção e desinfecção, os aparelhos de ar condicionado podem provocar inúmeras moléstias respiratórias

O reconhecimento oficial da nova doença veio em 1982, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) atribuiu a ela as consequências de um incidente ocorrido na década de 1970 em um hotel da Filadélfia, nos Estados Unidos. A contaminação do ar interno do estabelecimento, provocada por uma das maiores vilãs da SED, a bactéria Legionella, originou 182 casos de pneumonia e a morte de 30 pessoas.

Dezesseis anos depois, a Legionella incluiu em sua lista de vítimas nada menos do que um ministro brasileiro: Sérgio Motta, das Comunicações, teve seu quadro clínico agravado pela bactéria, abrigada nos dutos do sistema de climatização do hospital onde estava internado, e não resistiu. Foi a partir daí que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão regulador do sistema de saúde brasileiro, determinou que todos os prédios do país climatizados artificialmente deveriam elaborar e manter um plano de manutenção e controle dos sistemas de ar-condicionado.

Salas de aula com aeração artificial logo se tornam ambientes propensos à contaminação por bactérias

A qualidade do ar interno tem dominado o debate sobre a saúde dos edifícios, pois estudos indicaram que o funcionamento adequado do sistema de ventilação – que remove ou dilui os poluentes associados à SED – soluciona cerca de 90% das queixas. Quanto a isso, é importante observar que os sistemas de filtros dos aparelhos de ar-condicionado são em geral preparados para proteger mais o equipamento do que propriamente a saúde de seu usuário. Além disso, as menores partículas respiráveis – exatamente as que gostaríamos de eliminar – são as que mais facilmente driblam os filtros. E, por ironia, o uso de aspiradores de pó convencionais levanta essas partículas do carpete onde estão depositadas e as dispersa novamente na área respirável, de onde elas só vão lentamente sair à noite.

A qualidade do ar é, sem dúvida, fundamental para a saúde do edifício. Mas os responsáveis pelas pessoas que trabalham nesses locais ou os frequentam devem zelar cuidadosamente por outros itens importantes nesse aspecto, como temperatura, iluminação solar, acústica, mobiliário e radiação eletromagnética. Caso contrário, não é difícil prever que, no futuro, a SED ganhe uma menção específica na lista de condições insalubres de trabalho.

Os carpetes que revestem o piso dos edifícios tornam-se criadouros de ácaros e outros insetos alergênicos

Legionella: a bactéria assassina

Uma das ameaças mais terríveis do já sinistro elenco da SED é a Legionella pneumophila, bactéria causadora de uma forma rara e grave de pneumonia, a doença do legionário ou legionelose, capaz de matar pessoas idosas ou com pouca resistência. Seu nome vem do caso que se tornou o emblema da síndrome: a contaminação de diversos hóspedes de um hotel na Filadélfia (EUA), todos idosos e participantes de uma convenção da Legião Americana (veteranos de guerra) em 1976. Das pessoas contaminadas, 182 tiveram pneumonia e 30 morreram. Os problemas com a Legionella já começam na identificação complicada e prosseguem nas dificuldades de combatê-la.

A asma é uma das moléstias mais comumente desencadeadas pelos edifícios doentes

A bactéria tem origem na terra úmida e prolifera em água estagnada. No incidente da Filadélfia, constatou-se que ela veio da bacia das torres de resfriamento do sistema de ar-condicionado, que, embora localizadas fora do edifício, estavam bem perto da tomada de ar exterior do ar-condicionado. Graças a essa proximidade, a tomada de ar aspirou o ar contaminado e levou-o ao interior do hotel.

Estudos mostraram depois que a bactéria está presente em outros locais de edifícios onde existe água morna estagnada. Alguns exemplos: bacias de banheiros, bacias de umidificação e sistemas assemelhados, cisternas de distribuição de água quente. Todo cuidado com esses lugares é pouco.

A síndrome no espaço

A Síndrome do Edifício Doente não poupou nem mesmo a Estação Espacial Internacional (ISS, na abreviatura em inglês), supostamente um modelo do que haveria de melhor na tecnologia humana. Astronautas que trabalharam dentro da estação no início de suas atividades (os primeiros equipamentos foram enviados ao espaço no fim de 1998) sofreram crises de vômito, náusea, dores de cabeça, ardência e coceira nos olhos.

De acordo com documentos da Nasa (agência espacial norte-americana) que vazaram na internet, a culpa pelos problemas estaria na qualidade ruim do ar ou nas substâncias químicas liberadas por materiais utilizados nos painéis de revestimento do módulo Zarya, uma parte da enorme estação que havia sido construída pelos russos. Mas uma investigação oficial concluiu que era praticamente impossível definir com precisão qual era a origem exata dos mal-estares dos astronautas. Depois disso, a Nasa decidiu instalar equipamentos para monitorar a qualidade do ar na ISS.