Por Luis Pellegrini
Ao escolher seus integrantes e formar o grupo do Departamento de Eficiência Governamental, a intenção de Elon Musk parece clara: Dar início ao aparelhamento do Estado com elementos caracterizados pelos mesmos traços. São eles: juventude (para evitar vínculos fortes e antigos com outras organizações, movimentos e tendências, mesmo que sejam de direita); inteligência e talento brilhantes relacionados a suas linhas específicas de atuação; fanatismo e uma quase obsessão pela figura do chefe, neste caso o próprio Musk.
Edward Coristine, 19 anos, um jovem tecnólogo conhecido online como “Big Balls” (Bolas Grandes), que trabalha para o chamado Departamento de Eficiência Governamental (DOGE) de Elon Musk, tem acesso a sistemas sensíveis do governo dos EUA. Seu histórico profissional e online, no entanto, levantam dúvidas sobre se ele passaria na verificação de antecedentes normalmente exigida para obter autorizações de segurança, segundo disseram especialistas em segurança à revista WIRED. Isso porque, até há pouco, entre outros desvios, o garoto estava metido em atividades suspeitas em parceria com diversos hackers.
Coristine não é o único DOGE (como são chamados os membros do Departamento de Musk) a dispor do privilégio de acesso a contas públicas dos Estados Unidos: A equipe formada e liderada pelo magnata é composta por cerca de 30 jovens profissionais, na faixa entre 19 e 30 anos, com formações diversas em tecnologia, finanças, direito e política. Entre os membros notáveis estão: Kendall Lindemann: ex-consultora da McKinsey; Adam Ramada: investidor com conexões a um fornecedor da SpaceX; Kyle Schutt: ex-funcionário de uma startup de tecnologia em IA; Austin Raynor: ex-assistente do juiz da Suprema Corte Clarence Thomas.
A equipe também inclui engenheiros de software, financistas corporativos e advogados com experiências em estágios jurídicos conservadores. A maioria dos membros foi verificada por meio de registros públicos.
Ele manda, a gente obedece
Além disso, há um grupo de seis engenheiros – considerados “gênios” em informática e tecnologias de administração, com idades entre 19 e 24 anos, que desempenham papéis cruciais na modernização da tecnologia federal. Este grupo inclui: Ethan Shaotran: estudante sênior de Harvard; Akash Bobba: 21 anos; Luke Farritor: 23 anos; Gautier Cole Killian: 24 anos; Gavin Kliger: 25 anos; Edward Coristine: 19 anos, o membro mais jovem da equipe.
Denominador comum entre todos esses jovens: admiração irrestrita pelo chefão Elon Musk, a quem seguem fielmente na linha do “ele manda, a gente obedece”. Não é necessário dizer que a linha de atuação ética e política do grupo é a da extrema direita. Ao escolher seus integrantes e formar o grupo, a intenção dos líderes parece clara: Dar início ao aparelhamento do Estado com elementos caracterizados pelos mesmos traços. São eles: juventude (para evitar vínculos fortes e antigos com outras organizações, movimentos e tendências, mesmo que sejam de direita); inteligência e talento brilhantes relacionados a suas linhas específicas de atuação; fanatismo e uma quase obsessão pela figura do chefe, neste caso o próprio Elon Musk.
Esses jovens tecnólogos foram recrutados através de estratégias que envolveram grupos de chat online e servidores do Discord (plataforma de comunicação criada para permitir que pessoas conversem por texto, voz e vídeo em tempo real), muitos com afiliações à empresa de análise de dados Palantir e ao seu cofundador Peter Thiel, aliado de Musk.
O problema – nada pequeno – é que a equipe do DOGE tem acesso a dados sensíveis de várias agências governamentais, o que gerou preocupações sobre suas credenciais de segurança e a natureza de suas atividades. A composição muito jovem e a falta de experiência governamental da equipe têm sido pontos de crítica, especialmente devido às suas ações significativas, como o fechamento da USAID, responsável por bilhões em ajuda externa. A falta de transparência e os potenciais conflitos de interesse associados às atividades do DOGE também têm sido alvo de críticas de órgãos de fiscalização governamental.
Coristine, o epicentro
Edward Coristine é o membro que mais tem chamado a atenção dos críticos, não apenas pela sua juventude mas também pelos seus feitos no passado – se é que se pode falar de passado para alguém que há pouco chegou à maioridade. Ele nasceu em 2005, tirou seu diploma de ensino médio em 2024, e estuda atualmente na Northeastern University, onde cursa engenharia mecânica e física. Se tudo correr bem, deverá obter seu diploma em 2028. Seus amigos na escola o descrevem como inteligente e ambicioso, tendo Elon Musk como seu modelo. Já está inscrito do Partido Republicano.
Coristine, apesar de ser o mais jovem dos DOGEs, é o epicentro de críticas e questionamentos que começam a pipocar nos EUA e no mundo. Para ele, ambição pouca é bobagem. Fundou pelo menos cinco empresas diferentes nos últimos quatro anos, com entidades registradas em Connecticut, Delaware e no Reino Unido, a maioria das quais não estava listada em seu perfil do LinkedIn agora excluído. Coristine também trabalhou brevemente em 2022 na Path Network, uma empresa de monitoramento de rede conhecida por contratar hackers blackhat reformados (um blackhat (chapéu preto) é um hacker de computador que viola leis ou padrões éticos para fins nefastos, como crime cibernético, guerra cibernética ou malícia. Esses atos podem variar de pirataria a roubo de identidade. Um chapéu preto costuma ser chamado de “cracker”). Alguém usando um nome de usuário do Telegram ligado a Coristine também solicitou um serviço de ciberataque por encomenda mais tarde naquele ano, revela a revista WIRED.
Coristine não respondeu a múltiplos pedidos de comentário a respeito dessas acusações.
Uma das empresas fundadas por Coristine, a Tesla.Sexy LLC, foi criada em 2021, quando ele tinha cerca de 16 anos. Coristine está listado como fundador e CEO da empresa, de acordo com registros comerciais revisados pela WIRED. A Tesla.Sexy LLC controla dezenas de domínios da web, incluindo pelo menos dois domínios registrados na Rússia. Um desses domínios, que ainda está ativo, oferece um serviço chamado Helfie, um bot de Inteligência Artificial para servidores do Discord voltado para o mercado russo. Embora a operação de um site russo não viole as sanções dos EUA que impedem americanos de fazer negócios com empresas russas, isso poderia ser um fator em uma revisão de autorização de segurança.
“Conexões estrangeiras, sejam contatos estrangeiros com amigos ou domínios registrados em países estrangeiros, seriam sinalizadas por qualquer agência durante o processo de investigação de segurança”, disse Joseph Shelzi, ex-oficial de inteligência do Exército dos EUA. Um ex-analista de inteligência dos EUA de longa data, que pediu anonimato para falar sobre tópicos sensíveis, concorda: “Há pouca chance de que ele pudesse ter passado por uma verificação de antecedentes para acesso privilegiado a sistemas governamentais”.
Outro domínio sob o controle de Coristine é o faster.pw. O site está atualmente inativo, mas uma versão arquivada de 25 de outubro de 2022 mostra conteúdo em chinês afirmando que o serviço ajudava a fornecer “múltiplas redes criptografadas transfronteiriças”.
Antes de ingressar no DOGE, Coristine trabalhou por vários meses de 2024 na Neuralink, a startup de implantes cerebrais de Elon Musk e agora está listado nos registros do Escritório de Gestão de Pessoal como um “especialista” nessa agência, que supervisiona questões de pessoal do governo federal. Funcionários da Administração de Serviços Gerais dizem que ele também participou de chamadas em que foram obrigados a justificar seus empregos e revisar o código que escreveram.
À parte as sérias dúvidas quanto às características das tendências políticas e ideológicas de Coristine e, de modo geral dos demais membros do DOGE, o acesso irrestrito a agências e órgãos federais que gerenciam dados de milhões de pessoas e a um dos principais sistemas de pagamento do governo dos Estados Unidos, concedido ao Departamento de Eficiência Governamental (DOGE) gera preocupações quanto à segurança dessas informações. A comissão é liderada por Elon Musk.
Conforme relatou o TechCrunch (um jornal online que publica notícias sobre tecnologia, startups, empresas e produtos. Tornou-se uma importante referência para quem gosta de inovação e tecnologia) na quarta-feira (5/02), “a maior violação de dados do governo americano” pode estar em andamento, já que a equipe de funcionários do departamento visualiza e até controla os dados mais confidenciais da administração pública, em alguns casos. O trabalho do grupo é revisar as informações em busca de fraudes e gastos excessivos.
Mais agências federais devem liberar seus sistemas para o grupo nas próximas semanas, o que gerou críticas até mesmo de apoiadores do governo Trump. O ex-estrategista republicano, Stuart Stevens, classificou o acesso ao Tesouro como o “vazamento de dados mais significativo na história cibernética”.
O trabalho do DOGE também pode afetar a relação dos EUA com aliados, como destaca o relatório, deixando nações parceiras receosas em compartilhar informações de inteligência que podem vazar em razão da falta de segurança cibernética. A equipe de Musk, por seu lado, garante ter todas as autorizações necessárias para realizar o trabalho… E vai executá-lo.