Recém chegado da Itália, reacenderam-se na minha memória algumas historinhas exemplares que quero lhes contar. Esta aqui é a de Palma, velha amiga dos tempos de juventude, que não vejo há muitos anos, mas gostaria de reencontrar.
Por: Luis Pellegrini
Palma era uma jovem romana que durante dois anos, na década de 1970, trabalhou comigo na loja e ateliê artesanal de objetos de couro que criei e dirigi, em Roma, naquele período. Era bonita, vistosa, cheia de talento para o desenho. Sobretudo, Palma era bem humorada, ria muito, balançando sua vasta cabeleira negra, e seu repertório de piadas era inesgotável. Foi uma excelente companheira de trabalho, talvez a melhor que já tive. Seu nome verdadeiro era Palma, mas quando trabalhava comigo ela usava o pseudônimo Palma de Palmi. Assim, por quase não ouvir seu sobrenome oficial, acabei não fixando-o na minha memória.
Mas Palma tinha um defeito, não sabia escolher os namorados. Repetia o mesmo padrão nas suas escolhas: eram sempre rapazes bonitos, ajeitados, com algum talento para fazer alguma coisa (mas faziam pouco ou nada), e todos tinham aquele olhar de criança perdida que tantas mulheres adoram, se apaixonam e passam a acreditar cegamente que seu amor terá com certeza a força mágica necessária e suficiente para transformá-los de meninos em príncipes.
Como Palma nem ninguém na face da Terra possui essa varinha de condão capaz de transformar as outras pessoas, moldando-as a partir dos nossos próprios desejos e ideais, minha amiga tornou-se pouco a pouco uma colecionadora de narcisos decepcionantes.
Certa vez, quando ainda trabalhávamos juntos, ela me convidou para ir à sua casa para aprender como se faz um bom spaghetti em apenas dez minutos. O garotão da vez estava lá, como sempre bem disposto para saborear a pasta preparada (e paga) por Palma. E enquanto ela se desdobrava na minicozinha pelando os tomates e descascando alhos e cebolas para o sugo, o cara pôs-se a conversar comigo. Ele filosofava, com ar de crítico de artes plásticas, sobre como e porque o órgão sexual masculino era bem mais bonito do que uma vagina. Claro, gosto estético não se discute, e cada um aprecia as partes anatômicas humanas como melhor lhe parecer. Mas tecer tais comentários a poucos metros da namorada, e justo quando ela está se desdobrando para fazer para ele e para o amigo convidado um spaghetti no capricho, pareceu-me não apenas desrespeitoso, mas também cruel e extremamente irresponsável.
Comecei naquele instante a entender porque Giuseppina, minha avó paterna, italiana do Friuli, que falava pouquíssimo mas quando abria a boca para falar todos os presentes ficavam quietos, costumava dizer nessas raras ocasiões que “o pior marido do mundo é o italiano”.
O segundo marido de Palma foi um pintor contemporâneo de bom talento mas pífio em termos de vendas. Viveram juntos uns dez anos, inclusive alguns deles no Brasil, em São Paulo, ela sempre se desdobrando para “manter a família”. Foi Palma quem o abandonou, exausta, ao final dos anos de convivência. Acabei de encontrar esse pintor em Roma e lhe perguntei sobre Palma, se ainda a via, como e onde estava ela nos dias de hoje. Ele nada sabia, a não ser que, depois de deixá-lo, Palma se juntou com um diretor de cinema chileno, ou pelo menos alguém que se apresentava como cineasta. Mas parece que o cara, depois de uns bons anos ao lado dela, simplesmente morreu.
Dias depois, ao cruzar na rua com um outro velho conhecido que também fora amigo de Palma, tive mais algumas notícias sobre ela. Ao que se diz, depois da morte do chileno e da morte da sua própria mãe, ocorridas no mesmo período, Palma tomou uma decisão importante. Vendeu a casa que herdara da mãe e, com parte do dinheiro, comprou um camper, uma espécie de casa-ambulante muito comum na Europa, continente onde, pelo menos por enquanto, pode-se viajar com tranquilidade pelas estradas, e dormir nos campings para campers sem o perigo de acordar no meio da noite com o revolver de algum assaltante apontando para a sua cara. Palma teria decorado o camper com bom gosto, colocara nele uma cama (de solteira) confortável, todos os apetrechos para cozinhar, e inclusive um canto para fazer seus artesanatos, que venderia por onde passa.
Assim, Palma pode estar neste momento no sul da Itália, ou no norte, na França ou na Espanha, na Suécia, Noruega ou Dinamarca, sabe-se lá onde. No volante do seu furgão-casa, fazendo novos amigos em cada porto, oferecendo seus spaghetti de dez minutos aos mais simpáticos, contando piadas, encantando a todos com sua simpatia e sua verve romana. Que assim seja, querida Palma. Suspeito que, finalmente, você fez a escolha certa. Se um dia passar por São Paulo, convide-me para mais uma spaghettata. O vinho e a sobremesa eu levo. Gostaria de lhe desejar, ao vivo e em cores: Seja feliz!