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Violência de gênero. Por que tantas mulheres não se rebelam contra seus companheiros agressivos

 

Poucas são capazes de procurar a polícia e denunciar as agressões. A maioria permanece calada. Paola Vinciguerra, psicoterapeuta italiana especializada na violência de gênero, explica por que tantas mulheres permanecem passivas diante das agressões físicas ou verbais de maridos, companheiros, namorados e noivos violentos.

Por: Equipe Oásis

Paola Vinciguerra, psicoterapeuta italiana falecida há pouco (22 de novembro), aos 68 anos, era presidente da EURODAP (Associação Europeia de Distúrbio de Ataques de Pânico). Ela costumava dizer que são múltiplas as motivações da incapacidade de muitas mulheres de se rebelar contra as agressões cometidas por companheiros violentos. Sentimento de culpa, temor do abandono e falta de apoio externo são as principais. Com muita frequência os agressores conseguem remeter a responsabilidade da violência à própria mulher que dela é vítima: “se você realmente fosse minha cúmplice”, “se você não estivesse sempre de mau humor”, “se você me deixasse em paz quando estou nervoso”, etc, são apenas algumas das frases conectadas a atos de violência.

“A sensação de que o comportamento violento esteja de algum modo conectado a falhas e incapacidades da mulher a leva a sentir-se responsável pelas ações cometidas pelos outros. O passo sucessivo será o de mover céus e terra para atender a todas as exigências do homem, para não desencadear a sua ira e conseguir, dessa forma, demonstrar que ela é a mulher ‘justa’, ‘adequada’. Na mente dessa mulher, para que tudo dê certo ela deve ser como o companheiro deseja que ela seja, caso contrário ela será responsável pelas reações que ele manifesta. Isso desencadeia na mulher um sentimento de não ser adequada, fazendo-a acreditar que é responsável e, portanto, culpada por conduzir a relação ao desastre e à destruição. ‘Se pelo menos eu conseguisse ser mais paciente, menos nervosa, com certeza tudo caminharia bem, como de fato caminhava no início do relacionamento’, tendem a pensar essas mulheres. Esta é a frase típica que algumas vítimas pronunciam depois de ter descrito em sentido negativo os comportamentos dos seus parceiros violentos. Logo em seguida elas direcionam o refletor para si mesmas, se apresentando como as verdadeiras culpadas por todo aquele drama”, diz Paola Vinciguerra.

Medo da solidão é parte do problema

“No que diz respeito ao temor do abandono, é preciso dizer que a ideia de enfrentar a vida sozinha pode, às vezes, ser mais amedrontador do que viver uma relação disfuncional que, por pior que seja, ainda é capaz de preencher a sensação de vazio. O vazio é o problema que mais aflige todas as pessoas que, em sua história pessoal, tiveram dificuldade para estruturar uma relação forte, confiante e saudável consigo mesmas”.

“Sentir-se seguro em relação a si mesmo é fundamental para se enfrentar o desconhecido, as dificuldades e os medos. Se essa segurança não existe ou é frágil, a nossa escolha certamente não será a de nos aventurarmos, confiantes e desarmados, nos meandros da vida: teremos de encontrar um ponto de referência e, a todo custo, permanecermos ligados a alguém para não termos de enfrentar a sensação de nos perdermos no vazio. Assim sendo, pensamos que é melhor suportar um homem chato e violento do que enfrentar a solidão…”

Paola Vinciguerra diz ainda que, não obstante os progressos alcançados nos últimos anos, “com muita frequência as vítimas de violência podem ter dificuldade para procurar e receber ajuda. A falta de um suporte social, parental e institucional é certamente um dos elementos que mais contribuem para frear a rebelião. As vítimas assim sendo se encontram sós, amedrontadas pelas contínuas ameaças do parceiro, e frequentemente sem uma via de fuga concreta. Muitas vezes são os próprios amigos e familiares a tecer julgamentos, culpando-as de pretender destruir a família. No pensamento social é ainda fortemente arraigada – tanto em termos de violência sexual quanto familiar – a ideia de que a vítima não é vítima. Já se parte da ideia de que, com certeza, boa parte da responsabilidade toca a ela quando se trata de desencadear as reações do agressor. Trata-se de um verdadeiro problema sociocultural que precisa ser enfrentado com coragem”.