Útero artificial. Foi criado, testado e funciona

Fetos prematuros de ovelha cresceram normalmente durante 4 semanas no interior de dispositivos que imitam o ventre de sua mãe. O equipamento, que incorpora um saco plástico cheio de nutrientes artificiais reproduzindo a fórmula do líquido amniótico, foi testado com sucesso. Dois lindos cordeirinhos foram salvos graças a essa novíssima tecnologia e um deles hoje já está com um ano de idade. Cientistas acreditam que a placenta artificial para fetos humanos estará pronta para testes dentro de 3 a 4 anos.

 
Por: Soline Roy – Le Figaro Santé

 

Especialistas em neonatalogia do Hospital para Crianças da Filadélfia (EUA) desenvolveram um sistema de bolsas de água e de placenta artificial, destinado a acolher bebês prematuros de maneira mais fisiológica que os procedimentos atuais. Os autores, que levaram 5 anos para criar esse dispositivo, falam sobre o processo no site Nature Communications. Testado com bebês de ovelha, o sistema imitou a gestação natural durante 4 semanas suplementares. Uma façanha científica de grande significado e importância: apenas 30% dos bebês humanos nascidos com 25 semanas devido a amenorreias saem do hospital vivos e sem patologias graves. Alguns dias de gestação a mais fazem enorme diferença: a taxa de sobrevida sem sequelas passa a 81% para os bebês nascidos com 27 semanas.

O pequeno cordeiro tem uma vida normal desde que foi retirado do útero e placenta artificiais.

O protótipo dos pesquisadores norte-americanos se compõe de 3 elementos: um oxigenador de resistência fraca e um circuito sem bomba permitem ao coração do feto gerar sozinho o fluxo sanguíneo de modo a “imitar o melhor possível a circulação fetal normal”. Um dispositivo específico permite “ligar” a máquina ao cordão umbilical. Finalmente, um saco de polietileno cheio de um sucedâneo de líquido amniótico oferece ao feto um ambiente estéril e próximo das condições in utero.

“O conjunto forma um dispositivo potencialmente revolucionário”, afirma com entusiasmo o professor Philippe Deruelle, ginecologista e obstetra do CHRU de Lille (França) e membro da Federação Hospitalar Universitária “Mil Dias para a Saúde”. “É a primeira vez que vejo um sistema tão próximo do útero natural, e sua simplicidade é realmente sedutora”, comenta o professor Michel Cosson, também ginecologista e obstetra do CHRU de Lille.

A ilustração, encomendada pelo Children’s Hospital of Philadelphia, mostra o pequeno feto de ovelha sobrevivendo normalmente no interior da bolsa de plástico que faz as vezes de placenta (veja o 1o vídeo abaixo).

Alan Flake, o diretor do estudo

O interesse do dispositivo está no fato de que ele contorna os principais empecilhos aos quais se choca a reanimação neonatal no caso de grandes prematuros. “A transição da vida intrauterina para a vida extrauterina é, provavelmente, o acontecimento mais violento que um ser humano precisa enfrentar no decurso da sua vida”, explica o professor Deruelle. Os grandes prematuros não estão prontos para esse sacudimento e os procedimentos atuais permanecem muito invasivos. A ideia agora é prolongar a sua “vida líquida”, durante o tempo necessário para que seus pulmões estejam prontos para a “vida aérea”.

O dispositivo permitiu a “maturação”, durante 28 dias, de 8 cordeiros extraídos do ventre de suas mães 105 a 120 dias após o início da gestação. O equivalente, em termos de maturidade pulmonar, a 22 ou 24 semanas de amenorreia humana. No interior da placenta artificial, os cordeiros pareceram se desenvolver corretamente: as trocas de substâncias eram comparáveis ao fluxo placentário normal, os fetos se  moviam, abriam os olhos, dormiam, em nenhum momento pareciam estressados e sua lã começava a crescer. A autopsia não revelou alterações ou danificações, em particular as de tipo neurológico. Um dos cordeiros foi mantido vivo, e hoje ele está com cerca de um ano, perfeitamente saudável. “Outros cordeiros que passaram depois pelos nossos biobags (sacos biológicos) são normais”, explica Alan Flake, que dirigiu o estudo. “Não existe, que eu saiba, testes de inteligência para cordeiros. Mas os nossos sobreviventes parecem ser bastante espertos”, brinca Flake.

Muitas melhorias e aperfeiçoamentos deverão ser alcançados em breve. A conexão com o cordão umbilical, por exemplo, terá de ser adaptada para bebês humanos que são bem menores do que os cordeiros até agora utilizados. “Será também necessário desenvolver uma metodologia para transferir os fetos de modo seguro ao biobag”, observa o professor Olivier Baud,  chefe do serviço de neonatalogia do Hospital Ribert-Debré e pesquisador do Inserm. A utilização do dispositivo só é pensável, por enquanto, no caso de nascimento por cesariana, para evitar a contaminação bacteriana inevitável  nos casos de parto normal. E acontece que “a cesariana é uma cirurgia complexa e que não favorece a operação, pois ela deixa no útero  da mãe uma cicatriz que poderá dificultar uma próxima gravidez”, explica Michel Cosson.

Aí está o primeiro cordeiro que, como feto, foi criado no interior da barriga da mamãe.

Melhorar os estudos sobre as trocas placentárias

Além disso tudo, acrescenta Philippe Deruelle, “as paredes do útero de uma mulher são bem mais espessas que as de um útero de ovelha, e isso dificulta a incisão para a retirada do feto”. Será necessário melhorar a composição do líquido amniótico sintético, pois até agora utilizou-se uma simples mistura de água ionizada. “Conhecemos perfeitamente a composição do líquido amniótico, mas não temos certeza se tudo o que ele contem é necessário”, explica Olivier Baud. Os pesquisadores, por fim, nutriram os fetos de ovelha de modo muito empírico, explica Deruelle: “Ainda não sabemos exatamente como ocorrem e funcionam as trocas feto-placentárias e o que é realmente necessário para o bom crescimento do feto”.

A tecnologia do útero artificial significa também uma nova revolução nos estudos da vida fetal. Como explica Deruelle, “Poderemos gerar as carências, testar o impacto dos medicamentos, etc. Esses são conhecimentos indispensáveis!”

Os autores pretendem que seu dispositivo possa ser aplicado aos fetos humanos dentro de dez anos. “Por que não?, comenta Michel Cosson. Sabemos hoje como salvar bebês de 23 semanas, enquanto que há 15 anos fazê-los vir à luz com 28 semanas já era uma empreitada que beirava a ficção científica! O útero artificial para humanos poderá perfeitamente em breve deixar de ser uma utopia”.
Vídeo 1: Dentro da placenta artificial está o feto de cordeiro. Durante as 4 últimas semanas da gestação, o animalzinho se desenvolveu normalmente.

 

Vídeo 2: Animação mostrando como um útero artificial (em desenvolvimento na atualidade) poderá levar uma gestação humana a seu termo, aparentemente sem maiores complicações para o bebê.

 

 

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