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No coração da matéria. O mundo paradoxal da mecânica quântica

 

No coração da matéria existe um mundo imenso, composto de bilhões e bilhões de partículas, que escapa aos nossos sentidos e à nossa intuição. Um mundo no qual não valem as leis usuais da física, pois nele vigoram as leis mais complicadas e “misteriosas” da mecânica quântica, uma teoria tão paradoxal que seus próprios criadores, estupefactos, tiveram muita dificuldade para acreditar nela.

Por: Equipe Oásis

A mecânica quântica , também chamada de teoria dos quanta, é um sistema de ideias que seus próprios criadores não compreendiam plenamente, mas que se revelou a única capaz de explicar o comportamento da matéria no mundo microscópico.

Um quadro negro repleto de símbolos pode parecer indecifrável até mesmo quando nele se expõem conceitos simples. Na mecânica quântica, no entanto, até mesmo o conceito mais simples parece absurdo. Um exemplo? O fato de que a matéria “decide” o que vai fazer… apenas quando nós a observamos!

“Mecânica quântica? Ninguém realmente a compreende”, disse em 1965 Richard Feynman, um dos físicos mais brilhantes da sua geração.

No entanto, essa teoria funciona, porque descreve o mundo dos átomos e das moléculas com precisão impecável. E ela tem muitíssimas aplicações, dos laser à ressonância magnética. Por sinal, suspeita-se que sejam alguns fenômenos estreitamente ligados a ela, como o “efeito túnel”, que tornam possível a fotossíntese e portanto a própria vida.

Não apenas, a mecânica quântica, pelas suas características quase “mágicas”, desde sempre fascina filósofos e cientistas. E hoje, entrando na nossa cultura quotidiana, também inspirando livros, filmes e obras de arte. Mas o que é afinal essa teoria? Por que ela é tão importante? Para responder precisamos caminhar sobre um roteiro ordenado.

Partículas que parecem milagrosas

Ondas que se comportam como partículas, partículas que ultrapassam barreiras como se fossem fantasmas ou que se comunicam entre si de modo “telepático”… É esse o estranho mundo com que os cientistas se depararam quando descobriram a mecânica quântica.

Uma das características principais dessa teoria é a “quantização”. Ou seja, o fato de que, no mundo microscópico, as quantidades físicas como a energia não podem ser intercambiadas de maneira “contínua”, como o fluxo de água da torneira que pode ser dosada segundo a nossa vontade, mas sim através de “pacotes” chamados “quanta”… como a água contida em um copo ou em garrafas com volume pré-fixado. Devido a essa propriedade, a luz é composta de corpúsculos de energia chamados “fótons”; e também os átomos podem absorver essa energia apenas em forma de pacotes: um átomo, por exemplo, pode absorver ou emitir 1 ou 2 ou 3 ou mais fótons, mas não 2,7 fótons ou meio fóton.

É aquilo que acontece no efeito fotoelétrico, quando um metal atingido pelo tipo de luz justa produz eletricidade: esse fenômeno, descoberto no final do século 19 e explicado em 1905 por Einstein, está na base do funcionamento dos modernos painéis fotovoltaicos (painéis solares).

Onda ou partícula?

A segunda “estranheza” da mecânica quântica é o fato de que – como a figura mitológica chamada Janus de Duas Cabeças – todas as partículas possuem uma dupla natureza: Em alguns experimentos se comportam como corpúsculos, em outros como ondas. Por exemplo, experiências de laboratório – como é o caso da experiência da dupla-fenda – comprovam a natureza ondulatória dos elétrons, que ora se comportam como partículas, ora como ondas. E aqui, quando nos referimos aos elétrons, falamos do “dualismo onda-partícula”.

A física clássica é “previsível”: permite por exemplo calcular com precisão a trajetória de um projétil ou de um planeta no espaço. Em vez disso, na mecânica quântica, quanto mais precisamente se conhece a posição de uma partícula, mais incerta se torna a sua velocidade (e vice versa).

Isso é o diz o princípio da indeterminação, formulado em 1927 pelo físico alemão Werner Heisenberg. Portanto, se quisermos descrever o comportamento de um elétron em um átomo, podemos apenas afirmar que está localizado em uma nuvem ao redor do núcleo, e a mecânica quântica nos indica a probabilidade de que, efetuando-se uma medida, o elétron se encontre em um determinado ponto. Antes da medida, o estado do elétron é descrito pelo conjunto de todos os possíveis resultados: fala-se então de superposição dos estados quânticos. No momento da medida, o elétron “colapsa” em um único estado. Esse princípio possui uma consequência conceitual importante: num certo sentido, com os seus instrumentos de medida, os cientistas intervêm na criação da realidade que estão estudando.

Como fantasmas

Um outro fenômeno quântico bizarro é o do “efeito túnel”, ou seja o fato de que as partículas podem superar uma barreira como um fantasma passa através de uma parede. Explica-se assim o decaimento das substâncias radioativas. A radiação emitida por esses materiais, com efeito, é constituída de partículas que superam uma barreira energética no interior dos núcleos atômicos.

Tudo isso já e bastante estranho. Mas o fenômeno mais curioso de todos talvez seja o do entanglement (entrelaçamento) (*). Imaginemos uma situação em que dois fótons estejam em uma “superposição de estados” – podemos pensá-los como moedas que giram em direção ao infinito, mostrando ambas as faces (cara e coroa) – e que são submetidos ao entanglement , para em seguida levá-los aos lados opostos do universo.

Segundo a mecânica quântica, se uma aferição em uma das duas, e obtivermos por exemplo “cara”, também a outra moeda, instantaneamente, deixa de estar em um estado indeterminado: se a medirmos (depois de um segundo ou depois de século) podemos estar seguros de que o resultado será “cara”. As duas partículas se comportam exatamente como se estivessem em… contato telepático. Absurdo? Não, entanglement! Essa característica surpreendente pode-se ser usada para se realizar o teletransporte quântico.

29 pessoas (uma única mulher, Marie Curie). 17 delas eram ou se tornariam prêmios Nobel, de física ou de química. São os participantes da 5a Conferência de Solvay, em abril de 2027, em Bruxelas, dedicada oficialmente a elétrons e a prótons, mas que na verdade foi palco do primeiro grande debate sobre física quântica, colocando em confronto os que apoiavam a interpretação da mecânica quântica segundo a escola de Copenhague e um grupo de céticos que não acreditava na sua natureza intrinsicamente probabilística. Os primeiros tinham como líder Bohr, e os segundos eram representados por Einstein.

Os quanta na filosofia e na cultura 

A mecânica quântica, no entanto, não é apenas estranha e complicada. Ela nos obriga a revisar alguns esquemas mentais aos quais estamos acostumados, colocando à prova as nossas convicções e oferecendo novas respostas às perguntas que os filósofos se colocam há milênios. Aqui estão alguns exemplos.

O destino é previsível? Como esquecer, por exemplo, as cobranças de pênaltis de um artilheiro como Pelé? As trajetórias que ele imprimia à bola eram um milagre de esporte e de física. No entanto, se um hipotético Pelé quântico tivesse aos pés um elétron, não conseguiria chutá-lo com a mesma precisão. Aquela “bola”, com efeito, não seguiria a lógica determinista do chute ao gol.

Graças ao princípio da superposição de estados, com efeito, aquela bola poderia estar em qualquer lugar do campo, difundindo-se como uma névoa em muitos lugares ao mesmo tempo. E somente depois de ser observada, colapsaria finalmente em um ponto preciso, talvez exatamente dentro do gol… O destino, assim sendo, não é previsível do ponto de vista da física.

Tudo ao contrário daquilo que defendiam no século V antes de cristo os pensadores gregos Lêucipo e Demócrito, segundo os quais o mundo era composto de átomos que se movem no vazio de maneira previsível. Embora um século depois deles, um outro grego, Epicuro, lançou a hipótese de que entre os átomos acontecessem choques casuais com consequências imprevisíveis. A física clássica, no século 19, parecia dar razão aos dois primeiros. Mas a mecânica quântica, ao contrário, embora em bases completamente diversas, está mais próxima ao pensamento de Epicuro.

O universo existe independentemente de nós?

“Esse est percipi”, as coisas, para existirem, precisam ser percebidas. Sustentava no século 18 o filósofo britânica George Berkeley. Segundo ele, uma bola ou uma árvore não teriam existência em si mesmas, independentemente de nós. Para Berkeley, aquilo que percebemos são os estímulos sensoriais que nos chegam enviados diretamente por Deus. E o filósofo alemão Immanuel Kant, sempre no século 18, retrucava que não se pode conhecer o mundo “tal como ele é em si mesmo” (por ele definido Noumenon), mas apenas “aquilo que aparece”. Algo similar, quase dois séculos depois de Kant, diz a Mecânica quântica: para determinar a posição de uma partícula, por exemplo, é preciso iluminá-la… e então a partícula, atingida pela luz, vai embora. Sabemos onde ela está, mas não sabemos onde ela estará no instante seguinte.

Para observar a realidade, em suma, é preciso “perturbá-la”: “Segundo a interpretação de Copenhague” explica Giulio Giorello, professor de filosofia da ciência da Universidade Estatal de Milão “os eventos quânticos dependem da presença do aparato de observação que os deve medir”.

Einstein não conseguia digerir esse aspecto da teoria: ele, com efeito, estava convencido de que a realidade fosse bem determinada e independente de quem a observa. Mas hoje, cada vez mais especialistas são a favor da interpretação de Copenhague.

Niels Bohr e Albert Einstein, dois pais da teoria. Foi durante uma das discussões que eles mantiveram a respeito do significado físico da mecânica quântica que Einstein pronunciou a célebre frase: “Deus não joga dados”. Bohr rebateu brilhantemente todas as críticas de Einstein, mas este nunca se convenceu da natureza probabilística do mundo quântico.

E se o efeito precedesse a causa?

Um dos pilares da ciência clássica é a regra segundo a qual, no mundo em que vivemos, a cada causa corresponde necessariamente um efeito: se atiro uma pedra contra uma vidraça eu a rompo, se toco o fogo me queimo. No século 18, o filósofo escocês David Hume colocou em discussão esse princípio: mesmo se todos os dias dois acontecimentos se sucedem, não devemos considerar essa relação uma consequência lógica, porque poderia se tratar apenas de uma nossa associação de ideias determinada pelo hábito.

A ciência tradicional nunca colocou em dúvida o princípio de causa e efeito. A mecânica quântica parece violá-lo, mas isso não é verdade. A teoria permite calcular com certeza alguns aspectos da evolução das partículas, mas não todos. Mas em nenhum caso a teoria admite situações nas quais, por exemplo, o efeito preceda a causa ou esteja desconectado dela.

A nossa existência se estende a todo o universo?

Quando navegamos na Internet, o espaço parece ser engolido por um clique do mouse, no interior de conexões de hipertexto entre sistemas separados por milhares de quilômetros uns dos outros. No mundo subatômico, em certas condições, pode acontecer a mesma coisa: existem partículas “gêmeas”, coligadas entre si pela propriedade do entanglement, que embora encontrando-se em pontos opostos do universo conseguiriam se comunicar instantaneamente, agindo como se constituíssem um todo integrado.

Esse fenômeno, agora demonstrado, demole um dos pilares da física tradicional: o princípio da localidade. Até o ponto em que surge uma dúvida: vivemos talvez em um todo indivisível, cujas partes estão interconectadas como sustentava no século 17 o filósofo holandês Baruch Spinoza?

Segundo a sua visão “panteísta”, existe uma substância única e infinita, um a ordem geométrica na qual Deus e natureza coincidem como causa interna do todo.

A natureza rejeita o vazio?

Natura abhorret a vacuo (“a natureza rejeita o vazio”): a frase remonta à Idade Média, mas o conceito á antigo: já no século 4 antes de Cristo o filósofo grego Aristóteles e os seus discípulos negavam a existência de “um lugar onde não existe nada”.

O tabu, no Ocidente, permaneceu durante milênios, assimilado inclusive pela Igreja, que não tolerava a existência de um lugar privo da presença de Deus. Depois, a física clássica demonstrou que o vazio pode ser criado, por exemplo ao se eliminar o ar de um recipiente. Parecia possível inclusive criar-se o “vácuo perfeito”, ou seja uma região do espaço completamente desprovida de átomos e de luz.

Mas a mecânica quântica estabeleceu que isso não é possível: até mesmo o “vácuo perfeito” conteria infinitas flutuações energéticas capazes de gerar partículas virtuais que surgem do nada e desaparecem continuamente em tempos brevíssimos. Aristóteles, em suma, tinha razão num certo sentido.

A realidade é matéria ou informação?

Assistimos hoje ao triunfo da informática: textos, imagens, sons e filmes viajam pela Internet de um lado do mundo para outro lado na forma de sequência de 0 e 1: os bits. Esses tijolinhos digitais que se tornaram parte essencial de nossas vidas, nos levam a uma reflexão: a realidade é formada de matéria ou de bits? Talvez, como sugere o filme de ficção científica Matrix, vivemos em algum grande cérebro eletrônico que simula o mundo. Com a diferença de que os bits da mecânica quântica são diferentes daqueles “clássicos”: se chamam qubits e permitem combinações (e operações lógicas) de uma complexidade sem paralelo no mundo da informática tradicional.

Existe uma teoria capaz de explicar todas as coisas?

Os físicos buscam uma Teoria do Todo, capaz de unificar todas as coisas: homem e estrelas, pequeno e grande. Conseguirão criá-la? A ambição é antiga. A seu modo, isso já tinha sido tentado no século 6 antes de cristo pelo filósofo grego Pitágoras. Ele atribuía aos números, os constituintes últimos da natureza, a tarefa de manter o Universo unido…

Hoje, e por outro lado, muitos cientistas investem esforços numa evolução sobretudo da Teoria das Cordas. Mais que uma única teoria, trata-se no momento de um sistema de cinco teorias distintas que se aplicam em contextos diversos.

Podemos compará-la a um grande mapa mundi: para representar fielmente a inteira superfície terrestre seriam necessárias tantas pequenos mapas geográficos que, superpondo-se parcialmente entre si, mostram aspectos diversos da mesma paisagem.

(*) O “quantum entanglement” é um fenômeno que permite que dois ou mais objetos estejam ligados de tal forma que um deles não possa ser completamente descrito sem a descrição do outro. Ao observar-se um objeto, o outro objeto que pode estar a enormes distâncias sabe exatamente e instantaneamente que propriedades conter (em relação ao outro objeto). Parece haver uma comunicação de informação a largas distâncias de forma instantânea, o que torna esta “ligação-fantasma” um mistério cada vez mais interessante. Ou então, os objetos são na realidade o mesmo, e a percepção de espaço é que é enganadora – serão as ligações a 3 dimensões, objetos únicos enormes a 4 dimensões espaciais? Seja como for, parece que tudo está interligado