Você ainda pode ser amigo de alguém que não vota do mesmo jeito que você? Para Caitlin Quattromani e Lauran Arledge, duas melhores amigas que pensam de forma muito diferente em relação à política, o resultado das eleições presidenciais dos EUA de 2016 poderia ter criado hostilidade e desrespeito. Ouça sobre como elas preferem se envolver em diálogo e aprenda algumas táticas simples que elas estão usando para manter sua amizade bipartidária.
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Tradução: Carolina Aguirre. Revisão: Maricene Crus
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Caitlin Quattromani: A eleição de 2016 foi diferente. Conversas políticas com nossa família e amigos revelaram um nível de polarização que muitos de nós não experimentamos anteriormente. Pessoas que sempre pensamos serem razoáveis e inteligentes pareciam estranhos. Pensávamos: “Como você pode pensar isso? Pensei que você fosse inteligente.”
Lauran Arledge: Caitlin e eu nos conhecemos no verão de 2011, e nos identificamos como mães que trabalham e tentam manter nossos garotos muito enérgicos ocupados. E logo descobrimos que tínhamos quase tudo em comum. Do nosso amor ao Colorado ao nosso amor por sushi, não havia muito sobre o que não concordávamos. Também compartilhamos um amor profundo por este país e sentimos a responsabilidade de ser politicamente ativas. Mas ninguém é perfeito… e logo descobri duas coisas decepcionantes sobre Caitlyn. Primeiro, ela odeia acampar.
CQ: Acho acampar péssimo.
LA: Portanto, não haveria viagens de acampamento conjuntas no futuro. A segunda coisa é que ela é politicamente ativa, tudo bem… como conservadora.
CQ: Posso odiar acampar, mas adoro política. Escuto rádio conservadora quase todos os dias, e me ofereci para algumas campanhas políticas conservadoras.
LA: E diria que estou um pouco à esquerda, tipo totalmente à esquerda. Sempre me interessei por política. Eu me formei em ciência política, trabalhei como organizadora comunitária e numa campanha do Congresso.
CQ: Então, quando Lauran e eu estávamos nos conhecendo, estávamos bem no meio da campanha presidencial de 2012, e a maioria das nossas primeiras conversas políticas eram apenas piadas e brincadeiras. Por exemplo, eu mudava o protetor de tela do computador da Lauran para uma foto de Mitt Romney, ou ela colocava um ímã de campanha do Obama na traseira do meu carro.
LA: Carro, não minivan.
CQ: Mas, ao longo do tempo, essas conversas ficaram mais sérias e realmente se tornaram o cerne da nossa amizade. E, ao longo do caminho, decidimos que não queríamos ter nenhum assunto proibido para discussão, mesmo que esses assuntos nos tirassem da nossa zona de conforto da amizade.
LA: Para a maioria de nós, as conversas políticas são um jogo de soma zero. Há um vencedor e um perdedor. Atacamos e identificamos uma fraqueza no argumento de alguém. E aqui está a parte importante: tendemos a tomar todos os comentários ou opiniões expressas como uma afronta pessoal aos nossos próprios valores e crenças. Mas, e se mudarmos a maneira como encaramos essas conversas? E se, nesses momentos exaltados, escolhêssemos o diálogo e não o debate? Quando iniciamos um diálogo, mudamos a história. Substituímos nosso ego e nosso desejo de ganhar por curiosidade, empatia e um desejo de aprender. Em vez de trazer um julgamento pronto, estamos genuinamente interessados nas experiências da outra pessoa, nos valores e preocupações.
CQ: Você faz parecer simples, Lauran. Mas chegar a esse ponto de diálogo verdadeiro é difícil, especialmente quando falamos de política. É fácil ficar emocionalmente exaltado sobre assuntos pelos quais somos apaixonados, e podemos deixar nosso ego nos impedir de ouvir a perspectiva da outra pessoa. E, neste clima político louco que estamos agora, infelizmente, estamos vendo um resultado extremo dessas conversas políticas exaltadas, a ponto das pessoas estarem dispostas a se afastarem de suas relações. Na verdade, Rasmussen divulgou uma pesquisa no início deste ano que indicou que 40% das pessoas relataram que as eleições de 2016 impactaram negativamente um relacionamento pessoal, e o “Journal of Cognitive Neuroscience” nos relata que as pessoas tendem a usar a emoção em suas crenças em vez de usar o raciocínio, e que quando a razão e a emoção colidem, é a emoção que invariavelmente ganha. Então, é normal que seja difícil falar dessas questões.
LA: E olha, somos apenas duas amigas normais que pensam de forma muito diferente sobre política e o papel que o governo deve desempenhar em nossas vidas. E sei que todos fomos ensinados a não falar de política porque não é educado, mas precisamos poder falar sobre isso, porque é importante para nós e é parte de quem somos.
CQ: Optamos por evitar o debate político e, em vez disso, nos dedicarmos ao diálogo para manter o que chamamos carinhosamente de amizade bipartidária.
LA: E esta eleição e toda a loucura que resultou nos deu várias oportunidades para praticar essa habilidade.
Começando com janeiro e a Marcha das Mulheres. Neste ponto, vocês provavelmente podem adivinhar qual de nós participou.
CQ: Ah, a Marcha das Mulheres. Fiquei aborrecida e irritada esse dia inteiro, por duas coisas. Número um, o nome “Marchas das Mulheres”. Como conservadora, a plataforma de questões da marcha não me representou, e tudo bem, mas ouvir falar disso como sendo essa manifestação de irmandade e solidariedade para as mulheres não pareceu verdadeiro para mim. A outra coisa foi o momento do evento, o fato de ter sido um dia depois da posse presidencial. Parecia que não estávamos deixando a nova administração realmente fazer qualquer coisa, boa ou má, antes que as pessoas precisassem se manifestar contra.
LA: E, em circunstâncias normais, eu concordaria com Caitlin. Acho que uma administração merece o benefício da dúvida. Mas, neste caso, eu estava marchando para mostrar minha preocupação, de que um homem com um histórico fraco com mulheres e outros grupos tinha sido eleito presidente. Eu tinha que fazer parte da voz coletiva que queria enviar uma mensagem clara ao novo presidente de que não aceitamos ou toleramos seu comportamento ou retórica durante a eleição.
CQ: Então, já estou me sentindo meio exacerbada, e vejo essa postagem no Facebook da Lauran aparecer no meu “feed” de notícias.
Ver os filhos de Lauran na marcha e segurando placas levou isso a um novo nível para mim, e não de uma maneira boa, porque conheço e amo esses meninos, e não senti que tinham idade suficiente para entender o que a marcha representa. Não entendi por que Lauran ia preferir que eles participassem dessa maneira, e supus que não era uma escolha que os meninos faziam por si mesmos. Mas também conheço a Lauran. Você é uma mãe incrível que nunca exploraria seus meninos de nenhum jeito, então tive que me controlar. Tinha que tomar uma decisão. Eu poderia pegar a saída fácil e apenas escolher não dizer nada para ela, e, em vez disso, apenas meio que ferver na minha frustração, ou poderia perguntar para entender mais sobre suas motivações.
LA: E contei para Caitlin que começamos a falar sobre a Marcha semanas antes de participarmos. E os meninos estavam curiosos sobre por que o evento foi organizado, e isso levou a conversas familiares muito interessantes. Conversamos sobre como, neste país, temos o direito e o privilégio de nos manifestarmos contra algo que não concordamos, e meu marido compartilhou com eles porque achava importante os homens irem à Marcha das Mulheres. Mas a razão mais significativa para marchamos como família é que era um jeito de honrar o legado de meus pais. Eles passaram suas carreiras defendendo os direitos de alguns dos nossos cidadãos mais vulneráveis, e eles passaram esses valores para mim e meu irmão, e queremos fazer igual com nossos filhos.
CQ: Após falar com Lauran, entendi não só por que ela sentiu que era importante marchar, mas por que levou seus meninos com ela. Francamente, minhas suposições estavam erradas. Foram os meninos que quiseram marchar depois de falarem das questões em família.
Mas o que é mais importante sobre este exemplo é pensar na alternativa. Se nós não falássemos sobre isso, eu teria ficado irritada com ela, e poderia ter resultado numa sequência de desrespeito em nossa amizade. Mas, questionar a Lauran nos permitiu usar o diálogo para chegar a um ponto de real compreensão. Agora, para ser clara, nossa conversa não mudou minha opinião sobre o que eu sentia em relação à Marcha, mas mudou completamente meu pensamento sobre o que a fez levar os meninos. E, para nós duas, esse diálogo nos permitiu entender a visão da outra sobre a Marcha das Mulheres apesar de discordarmos.
LA: O segundo tópico que desafiou nossa capacidade de dialogar estava na minha necessidade de entender como Caitlin poderia votar no Trump.
Caitlin é uma profissional bem-sucedida, profundamente carinhosa e compassiva, e a Caitlin que conheço nunca desculparia nenhum homem por falar das mulheres como o Trump falou durante a campanha. Foi difícil para mim conciliar essas duas coisas. Como você pode ignorar as coisas que foram ditas?
CQ: Acho que posso não ser a única aqui que pensou que não tivemos boas opções para as últimas eleições presidenciais.
O candidato republicano que apoiei não conseguiu ganhar as primárias, então, quando fui votar, tinha uma decisão a tomar. E você está certa, houve algumas coisas terríveis que surgiram durante a campanha do Trump, tanto que quase decidi apenas me abster e não votar para presidente, algo que nunca tinha pensado em fazer. Mas, no final, votei em Donald Trump, e para mim foi realmente um voto para o partido e não para a pessoa, especialmente reconhecendo quão importante é a escolha presidencial na influência sobre o poder judiciário. Mas compartilhei com Lauran que foi uma decisão com a qual debati, e não uma que tomei facilmente.
LA: E, depois da nossa conversa, fiquei impressionada com algumas coisas. Primeiro, fui vítima do meu próprio viés de confirmação. Por causa de minhas opiniões sobre Trump, tinha dado a todos os seus eleitores os mesmos atributos, e não perdoei nenhum deles.
Mas, conhecendo Caitlin, comecei a fazer perguntas. Com que os eleitores de Trump estavam preocupados? Sob toda a discussão dividida, o que realmente estava acontecendo? O que podemos aprender sobre nós mesmos e nosso país com este momento difícil? Também aprendi que compartilhamos uma profunda decepção nessas eleições, e que temos preocupações crescentes com o sistema político de dois partidos.
Mas a coisa mais importante sobre essa conversa é que ela aconteceu. Sem um diálogo aberto e honesto entre nós duas, esta eleição teria sido o elefante na sala pelos próximos quatro anos, literalmente. (Risos) CQ: Então, vejam… (Aplausos) Sabemos que é preciso trabalhar para superar as partes difíceis, frustrantes e às vezes emocionais de discutir sobre questões como a Marcha das Mulheres ou por que seu amigo pode ter votado num candidato que você não suporta. Mas precisamos ter essas conversas. Sermos capazes de passar do debate político para o diálogo verdadeiro é uma habilidade crucial em que devemos nos concentrar agora, especialmente com as pessoas que mais nos importamos.
LA: E não é só como adultos que precisamos “engarrafar” esse comportamento. É fundamental que também façamos pelos nossos filhos. Meus filhos ficaram sobrecarregados com esta eleição. Ouvíamos as notícias pela manhã, e eles conversavam com amigos na escola. Ficava preocupada com o fato de que eles estavam tendo muita informação errada, e eles estavam ficando com medo de uma presidência do Trump. Um dia, depois das eleições, estava levando meus filhos para a escola, e o mais novo, totalmente do nada, disse: “Mãe, não conhecemos ninguém que votou no Trump, certo?” Fiz uma pausa e respirei fundo. “Sim, conhecemos”. “Os Quattromanis”. E a resposta dele foi incrível. Ele ficou com um olhar confuso no rosto e disse: “Mas nós os amamos”.
E respondi: “Sim, amamos”. E ele disse: “Por que eles votariam nele?” E me lembro de pensar que era muito importante como responderia a esta pergunta. De alguma forma, tinha que honrar nossos valores familiares e respeitar nossos amigos. Então, eu finalmente disse: “Eles pensam que essa é a direção certa para este país”. E antes de eu ter terminado toda a frase, ele tinha mudado para o jogo de futebol que ele teria no recesso.
CQ: É a vida com meninos. Então, o que a Lauran e eu descobrimos em nossa amizade bipartidária é a possibilidade de viver com diálogo. Escolhemos ser genuinamente curiosas sobre as ideias e perspectivas da outra e estar dispostas a ouvir a outra mesmo quando discordamos. E, ao deixar de lado nosso ego e nossas ideias preconcebidas, nos abrimos para aprender sem limites. E, talvez o mais importante para o nosso relacionamento: temos o compromisso de que nossa amizade é muito mais importante do que qualquer uma de nós estar certa ou ganhar uma conversa sobre política. Então, hoje, pedimos que vocês conversem. Falem com alguém de fora do seu partido político que pode desafiar seu pensamento. Se esforcem para dialogar com alguém com quem vocês normalmente evitam uma conversa política. Mas, lembrem-se, o objetivo não é ganhar, e sim ouvir e entender e estar aberto a aprender algo novo.
LA: Vamos voltar para a noite da eleição. Com o encerramento da apuração dos votos ficou claro que Trump seria o nosso novo presidente, e fiquei desconsolada. Fiquei triste, confusa, e serei sincera, eu fiquei com raiva. E, logo antes da meia-noite, recebi esta mensagem de texto de Caitlin: [Sei que é uma noite difícil para vocês. Estamos pensando em vocês. Amo vocês.] E o que facilmente poderiam ter sido semanas ou meses de estranheza e hostilidade implícita, havia isso, a oferta de empatia enraizada na amizade. E eu soube, naquele momento, que superaríamos.
CQ: Portanto, devemos encontrar um jeito de conversar de forma significativa nos movendo para a frente como nação, e não podemos mais esperar que nossos representantes eleitos elevem nosso discurso nacional.
LA: Os desafios futuros exigirão de todos nós participarmos de maneira mais profunda e significativa, e isso começa com cada um de nós construindo conexões através do diálogo, em nossos relacionamentos, nossas comunidades e como país.
Obrigada.