Reunião do G7, encontro de cúpula da OTAN, guerra fiscal alfandegária, encontro com ditadores como Putin e Kim Jong-Un, etc. Para o importante jornal norte-americano, o atual inquilino da Casa Branca dá prosseguimento a uma tarefa de destruição das fundações do bloco ocidental
Por: David Leonhardt
Fonte: The New York Times
Face ao retorno da Rússia ao cenário internacional e ao robustecimento da China, Donald Trump parece tentar romper deliberadamente as alianças tradicionais que norteiam as políticas ocidentais. Defendida (ou não) pelo presidente norte-americano, a hegemonia ocidental vive talvez os seus últimos momentos, e Pequim pode começar a tirar partido da situação. A menos que o mundo entre num novo período de conflito e instabilidade do qual ninguém sairá vencedor.
A aliança entre os Estados Unidos da América e a Europa Ocidental (*) alcançou grandes feitos. Ganhou duas guerras mundiais, na primeira metade do século 20 e, depois de se abrir aos seus antigos inimigos, conseguiu mais uma vitória com o fim da Guerra Fria. Contribuiu, igualmente, para expandir a democracia e permitiu que as suas populações atingissem os mais altos padrões de vida até agora conseguidos.
Porém, o Presidente dos EUA, Donald Trump, está tentando destruir essa aliança.
Será que ele percebe isso? Ninguém sabe… Ninguém consegue entrar na sua cabeça nem adivinhar as suas ambições estratégicas – admitindo-se que ele tenha ambições a longo prazo. No entanto, se um Presidente dos Estados Unidos da América redigisse um plano secreto, visando abalar a Aliança Atlântica, seria muito parecido com o que Donald Trump está fazendo.
Começaria mostrando a sua clara hostilidade face aos dirigentes do Canadá, da Grã-Bretanha, da França, da Alemanha e do Japão, criando controvérsias infundadas – não para conseguir condições vantajosas e importantes para os Estados Unidos da América, mas com o único propósito de semear a discórdia. Neste grande e secreto projeto de demolição do Ocidente, os Estados Unidos da América buscariam novos aliados para substituírem os preteridos. O mais natural desses novos parceiros seria a Rússia, principal rival da Alemanha, da França e da Grã-Bretanha na Europa.
Tal como a Rússia está fazendo, a estratégia norte-americana de ruptura da Aliança Atlântica envolveria manobras de ingerência na política interna de outros países, a fim de favorecer a chegada de novos governos também eles hostis ao antigo tratado.
Recapitulemos… Está tudo lá: é exatamente o que Donald Trump está fazendo.
No início de junho, o Presidente encurtou deliberadamente a sua participação no encontro de cúpula do G7 realizado no Quebec. No pouco tempo que esteve lá, procurou o desentendimento. Todos viram, sem dúvida, a imagem que mostrava Trump sentado, com as sobrancelhas circunflexas e os braços cruzados, face a Angela Merkel e a outros chefes de estado que estavam à sua volta a pressioná-lo. O principal pomo de discórdia nessa reunião do G7 foram as barreiras alfandegárias impostas por Trump por motivos falaciosos. O presidente norte-americano diz que está simplesmente pagando na mesma moeda a outros países. Porém, segundo o Banco Mundial, a tarifa média aduaneira praticada pelos Estados Unidos da América, a Grã- Bretanha, a Alemanha e a França é a mesma e está em 1,6%. A do Japão é de 1,4% e a do Canadá de 0,8%. Embora todos os países apliquem tarifas questionáveis em alguns setores, esses casos são limitados e, neste caso, os Estados Unidos da América não são vítimas.
Trump não joga limpo no domínio comercial, à semelhança do que fez quando mentiu sobre o local de nascimento de Barack Obama, sobre a afluência de uma multidão à sua cerimônia de posse, sobre a fraude eleitoral, sobre os imigrantes mexicanos, sobre a investigação da ingerência russa na eleição presidencial de 2016, sobre a compra do silêncio de Stormy Daniels (ex-atriz pornô) e sobre uma centena de outros assuntos. No caso das tarifas aduaneiras, não estamos perante um presidente que identificou um problema real, face ao qual não se conforma: Donald Trump compromete a Aliança Atlântica com base numa mentira.
Se um Presidente dos EUA redigisse um plano secreto, visando abalar a Aliança Atlântica, seria muito parecido com o que Donald Trump está fazendo.
Se forem ainda precisas provas, basta ver os tweets que Trump escreveu depois de partir do Quebec. No dia em que deixou o G7, referiu-se ao primeiro-ministro canadense Justin Trudeau como sendo “muito desonesto”. Enquanto, por um lado, os insultos choviam sobre as cabeças de Trudeau e de outros parceiros históricos, por outro lado Vladimir Putin, Kim Jong-un e outros ditadores mais ou menos assumidos eram muito elogiados. Trump e os seus acólitos dedicam-se a estas manobras, beneficiando os partidos de extrema-direita na Alemanha e em ouros lugares. No Quebec, o inquilino da Casa Branca justificou a anexação da Crimeia pela Rússia e defendeu a reintegração de Moscou no G7.
“Mas porque Trump fala como se fosse um apresentador do Russia Today (o canal de televisão russo próximo do Kremlin)?”, perguntou o jornalista conservador Jay Nordlinger.
Não tenho resposta para isso, mas chegou o momento de levar a sério a única hipótese acreditável que pode explicar o comportamento de Trump: ele pretende destruir a aliança entre os países ocidentais.
Talvez seja uma questão ideológica: ele prefere o autoritarismo, ao estilo de Putin, à democracia – a menos que Trump não tenha um grande plano e que Putin tenha efetivamente informações comprometedoras sobre ele. Outra hipótese: ele gosta simplesmente de ser contra tudo o que os outros presidentes norte-americanos defenderam antes dele.
Independentemente das razões, o seu comportamento requer uma resposta à altura da ameaça. Como foi observado pelo cientista político (norte-americano) Brendan Nyhan, a cúpula do G7 foi um momento decisivo: “A aliança ocidental e o comércio mundial começam a estar sujeitos às mesmas pressões intensas que Trump impõe às nossas instituições nacionais.”
Para os velhos aliados dos Estados Unidos da América, esta reação implica renunciar ao otimismo benevolente adotado, nos primeiros tempos, pelo primeiro-ministro canadense Justin Trudeau, e pelo presidente francês, Emmanuel Macron.
A chanceler alemã, Angela Merkel, dá o exemplo: tendo a noção, desde o inicio, da extensão da ameaça, ela mostrou-se mais firme, mas sem lançar desnecessariamente lenha na fogueira.
Nos Estados Unidos da América, para os membros do Partido Republicano, trata-se de pôr o país à frente do partido. Alguns, como o senador John McCain, expressaram a sua inquietação, mas os membros do Congresso têm agora o dever de ir além dos seus tweets revelando a sua inquietação. Eles têm de propor leis que refreiem Trump e pedir as audições necessárias para descobrir as suas motivações.
Em suma: para os eleitores norte-americanos, trata-se de entender os verdadeiros interesses que estão em jogo nas eleições legislativas intercalares de novembro. Este escrutínio não é um simples referendo sobre as isenções fiscais, a reforma da Saúde ou o estilo pouco ortodoxo do presidente. Será um referendo sobre a defesa dos seculares ideais norte americanos, dos quais somos os guardiões.
(*) A palavra “Ocidente” nem sempre teve o significado atual. Na Idade Média, foi utilizada para definir o mundo católico, por oposição ao mundo ortodoxo e muçulmano. No século 19, tornou-se um conceito geopolítico, descrevendo, então, as potências europeias e americanas que se consideravam as herdeiras do mundo greco-romano, por oposição ao resto do mundo. Só depois de 1945 é que ganhou uma conotação ideológica ainda mais acentuada, representando o “Ocidente”, o “mundo livre” face ao comunismo. Geograficamente, aquilo a que os anglo-saxões chamam de “hemisfério ocidental” engloba também países da Ásia e da Oceania, como o Japão, a Coreia do Sul e a Austrália.