Apocalipse das abelhas. Pesticidas, ambiente e aquecimento são as causas

 

Albert Einstein previu no século passado que, se as abelhas desaparecessem da superfície da Terra, o homem teria apenas mais quatro anos de vida. A morte em larga escala desse animal é hoje um alerta real do desastre.

Por: Luis Pellegrini

Um desastre ambiental de proporções bíblicas está acontecendo sem que percebamos sua magnitude e o alcance potencial de suas consequências: Trata-se da mortandade em massa das abelhas. Nós conhecemos esses insetos sobretudo pelo mel, a geleia real e o própolis que eles produzem, mas isso é apenas a ponta do iceberg de um labor crucial para a sobrevivência da própria humanidade: As abelhas são os principais polinizadores da natureza, responsáveis pelos processos de fertilização de mais de 80% das frutas que consumimos. Se imaginamos um futuro no qual ainda existirá alimento sobre nossas mesas, devemos considerar e proteger as abelhas como nossas aliadas mais importantes.

Desde o começo do século, casos de morte e sumiço de inteiras comunidades de abelhas são registrados nos Estados Unidos e na Europa. No Brasil, estudiosos destacam episódios alarmantes a partir de 2005. Agora, o fenômeno parece chegar ao ápice. Em três meses (de dezembro de 2018 a fevereiro de 2019), mais de 500 milhões de abelhas foram encontradas mortas por apicultores apenas em quatro estados brasileiros, segundo levantamento da Agência Pública e Repórter Brasil. Foram 400 milhões no Rio Grande do Sul, 7 milhões em São Paulo, 50 milhões em Santa Catarina e 45 milhões em Mato Grosso do Sul, segundo estimativas de Associações de apicultura, secretarias de Agricultura e pesquisas realizadas por universidades. As abelhas são responsáveis pela polinização de mais de 70% das espécies vegetais, entre elas árvores, arbustos e plantas que fornecem frutos, cereais, legumes.

Dados da pesquisa de doutorado indicam que perda de colônias chegou a 52%, com destaque em 6 estados brasileiros

A contaminação generalizada das lavouras por pesticidas e agrotóxicos é a principal causa da mortandade de abelhas, mas também respondem pelo desastre a degradação do meio ambiente e, segundo se descobriu muito recentemente, o aquecimento global.

“O uso recorrente de agrotóxicos nas lavouras brasileiras está diretamente relacionado à mortandade de abelhas, que leva ao risco de extinção desses importantes agentes polinizadores”, o alerta é do pesquisador Dayson Castilhos, que estudou o tema para seu doutoramento em Ciência Animal pela Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa).

Em entrevista a Patrícia Fachin, do site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU), Castilhos afirmou que a contaminação das abelhas e as perdas de colônias são um indicador biológico amplo, que vai para além da saúde das polinizadoras: revela a saúde do meio ambiente. “Podemos pensar: se as abelhas estão contaminadas, então tudo mais também pode estar contaminado em maior ou menor nível de contaminação, como o solo, a produção agrícola, a pecuária, os humanos e os biomas”, afirma o pesquisador.

Para chegar a essa conclusão, ele analisou dados sobre morte de abelhas no país desde  2013. Mas foram os registros feitos por apicultores no aplicativo Bee Alerte resultados de testes toxicológicos nos insetos mortos coletados nos apiários que permitiram ao pesquisador constatar os altos níveis de agrotóxicos nesses insetos. De todas as abelhas mortas, havia contaminação em 92% delas. E entre as abelhas vivas analisadas, 14% estavam contaminadas.

“Conseguimos determinar o índice de mortalidade de colônias em todo o Brasil, com destaque para os estados mais impactados como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, com grandes áreas de cultivo regados a agrotóxicos. Nesses estados, dentre os apicultores que perderam abelhas o índice de perda de colônias chegou a 52%”, afirma Castilhos, que é graduado em Engenharia Eletrônica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), tem mestrado em Meio Ambiente, Tecnologia e Sociedade (ATS) pela Ufersa.

O pesquisador não descarta outros fatores para a morte das abelhas, como a própria condição dos biomas, que podem afetar sua saúde. No entanto, nos apiários localizados próximos a áreas agrícolas, as abelhas morrem pela contaminação dos agrotóxicos usados nas lavouras.

“Nós analisamos somente os sete agrotóxicos da classe dos neonicotinoides  mais o fipronil, mas existem hoje no Brasil 646 desses produtos  comercializados. Sem contar com os ‘falsificados e ilegais’ que se consegue encontrar”, adverte Castilhos que, no geral, aponta o uso de venenos nas lavouras como um hábito já “cultural” dos produtores.

“O produtor agrícola usa o agrotóxico mesmo sem necessitar, acreditando que vai prevenir a perda de produção, mas na maioria das vezes essas aplicações são desnecessárias”, afirma o pesquisador.

E o governo permanece cego

Enquanto isso, na contramão de tudo que está sendo feito no mundo para salvar as abelhas da extinção, nosso Ministério da Agricultura publicou no Diário Oficial da União (21 de maio) a autorização para comercialização de mais 31 agrotóxicos no Brasil, dando continuidade ao objetivo do governo de Jair Bolsonaro de agilizar as análises dos pedidos de registro. Dos 31 produtos, 13 foram avaliados como altamente ou extremamente tóxicos à saúde humana e 14 como muito ou altamente perigosos ao meio ambiente.

A lista não traz novidades em termos de moléculas. Ou seja, são os mesmos princípios ativos já vendidos no Brasil, apenas sob novas marcas (genéricos) ou formulações. O que chama atenção é que o governo registrou mais dois inseticidas à base do princípio ativo Fipronil e um à base de Tiametoxam (neonicotinóide proibido na União Europeia), diretamente relacionados às mortandades de abelhas.

Caçada científica

O que pode ser feito para parar o fenômeno? Os primeiros sinais de que algo de ruim estava acontecendo com as colmeias remontam aos anos 1993-94, quando os apicultores franceses encontraram colmeias inteiras dizimadas após visitarem campos de girassol. O mesmo fenômeno desde então passou ocorrer em várias zonas agrícolas, até que, em 2006 aconteceu, primeiro nos Estados Unidos e logo depois na Europa, a síndrome do despovoamento das colmeias. Nas colmeias permaneciam apenas a rainha e poucas operárias, os favos cheios de mel ou aqueles que ainda hospedavam algumas larvas. As colmeias, no entanto, embora destituídos das abelhas que recolhem o néctar e o pólen, não apresentavam nenhum sinal de invasão por parte de inimigos ou parasitas.

Nesse ponto teve início uma “caçada científica” em escala mundial aos culpados. Foram considerados os agentes mais diversos, desde as plantações de organismos geneticamente modificados às radiações dos telefones celulares, da fragmentação dos habitats ao transporte das colmeias até as áreas de cultivo de frutas para poliniza-las, e também a presença de parasitas e de vírus. Mas para todas essas hipóteses as provas científicas se demonstraram frágeis ou inexistentes.

Recentemente, porém, aconteceu uma importante reviravolta nas pesquisas. Começou-se a investigar o efeito de alguns venenos muito difundidos, os pesticidas agrícolas. Em particular os neonicotinoides, que estão entre os mais utilizados no mundo agrícola. E, bingo! As pesquisas demonstraram que tais substâncias têm efeitos nefastos para a saúde das abelhas, até mesmo quando são usadas em dosagens inferiores às mortais. As abelhas, segundo os cientistas franceses que desenvolveram um desses estudos, ficam intoxicadas e não mais conseguem retornar a suas colmeias.

A indústria agroalimentar logo protestou, não mostrando nenhuma disposição para aceitar que alguns pesticidas sejam responsáveis pela mortandade dos insetos , e logo deram início a campanhas destinadas a desacreditar os resultados dos estudos que sustentam essa tese.

O fato é que, desde 2014, assistimos inermes ao desaparecimento de mais de 10 milhões de colmeias nos países da Europa e das Américas.

Aquecimento global

A variação das estações provocada pelas mudanças climáticas também exerce um papel no processo de extinção das abelhas. A elevação das temperaturas médias leva a florescimentos antecipados, e o resultado disso é que as flores colocam néctar e pólen à disposição dos insetos quando eles ainda não estão prontos e maduros para recolhe-los.

O aquecimento global, por outro lado, facilita a difusão de parasitas que atacam as abelhas, como o ácaro Varroa destructor, que enfraquece e ataca as operárias, ou o fungo Nosema ceranae, que compromete as funções digestivas dos polinizadores.

Como agir? Além de apoiar todo empenho político de combate ao aquecimento global, os especialistas encorajam também o plantio de flores “amigas” das abelhas em toda a parte onde isso for possível, nos jardins e quintais, nos balcões, peitorais de janelas e terraços. Plantas adequadas inclusive ao consumo alimentar, como o alecrim, a sálvia, a lavanda, e tantas outras podem efetivamente ajudar nossas amigas a se alimentar e sobreviver sem serem obrigadas a recorrer às flores que crescem nos campos agrícolas contaminados.

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